quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Medidas avulsas e oportunidades perdidas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
O mais grave problema político do nosso tempo em Portugal, nos fogos como em tudo o resto, é não haver uma estratégia coerente de médio e de longo prazo.


Medidas avulsas e oportunidades perdidas
A tragédia dos fogos deste ano em Portugal, que conduziram à morte de 106 pessoas e destruíram a vida de famílias e a economia de muitos concelhos do país, teve, e vai ter no futuro, consequências políticas, já que existe um consenso nacional de que o governo não esteve à altura das circunstâncias, tendo mesmo, depois de Pedrógão Grande, procurado iludir as causas dos incêndios e as fragilidades havidas no seu combate, em vez de se empenhar de imediato numa ação corajosa para enfrentar as graves lacunas existentes, nomeadamente humanas.

Em vez disso, o governo e a Assembleia da República preferiram recorrer a mais um relatório, cujo objetivo inicial seria apurar responsabilidades, mas que se transformou rapidamente, por opção do governo, numa forma de adiar o que haveria a fazer no curto prazo, com o trágico resultado que conhecemos. Foi um erro político óbvio, com a agravante de que, agora, o mesmo relatório foi adotado como modelo para o futuro que envolve não apenas decisões imediatas e urgentes que devem ser tomadas, mas também outras que deveriam ser mais bem pensadas e debatidas, a fim de ultrapassarem a mera questão dos fogos, para se enquadrarem numa estratégia nacional sustentável sobre o modelo económico e qual a participação nesse modelo da agricultura e da floresta – avaliando em paralelo o modelo de floresta e de agricultura que desejamos – e os seus efeitos no território, nomeadamente no desejável desenvolvimento económico e social do interior do país.

Recordo, como exemplo, que após o terramoto de Lisboa, depois de enterrar os mortos e de cuidar dos vivos, o marquês de Pombal chamou a si os melhores especialistas à época para reconstruir Lisboa, fazendo dela uma nova cidade com vista às necessidades futuras, e não uma cidade igual à que existia antes. Ou seja, o ministro de D. José tinha, como sabemos, uma estratégia de longo prazo para Portugal na qual a reconstrução de Lisboa era apenas uma parte, ainda que relevante. Ora, o mais grave problema político do nosso tempo em Portugal, nos fogos como em tudo o resto, é não haver uma estratégia coerente de médio e de longo prazo, ou não se saber qual o papel de Portugal no mundo global, de forma a potenciar o nosso de-senvolvimento. A questão com que nos confrontamos é, pois, definir qual o modelo económico, social e político que desejamos, e que esteja ao nosso alcance, para melhorar a vida dos portugueses. 
Questão cuja resposta, nas atuais circunstâncias, governados por uma maioria parlamentar baseada em projetos políticos inconciliáveis, não parece, obviamente, possível. Ou seja, tudo o que fazemos tem como destino o curto prazo e mesmo esse vai mudando de acordo com um sistema de forças contraditório, imprevisível e incontrolável. Sem estadistas e sem um consenso político de longo prazo, o país tornou-se um vazio estratégico que vive de iniciativas avulsas, mal pensadas e, frequentemente, contraditórias.

Um exemplo: o governo assumiu agora a participação das Forças Armadas no combate aos fogos, medida que defendi numa comunicação apresentada a um congresso realizado há já alguns anos sobre defesa e segurança, a que chamei “Forças Armadas de um Novo Modelo”. Não se tratava de uma medida avulsa, mas de uma estratégia global que tentava prever o que poderiam ser as futuras Forças Armadas da União Europeia e qual o modelo mais favorável a Portugal, no contexto dos nossos interesses nacionais, nesse futuro: diluição da importância das nossas Forças Armadas nas Forças Armadas europeias, ou especialização, e qual o tipo de autonomia que poderíamos conquistar com essa opção, particularmente em defesa dos nossos valores históricos e económicos contidos no nosso mar e espaço aéreo. Defendi então o objetivo de umas Forças Armadas altamente especializadas, de forma a poderem ter alguma autonomia no contexto europeu, como um corpo militar profissional e detentor dos mais modernos meios, destinado a missões de salvamento de vidas humanas em acidentes no mar, na terra e no ar, acidentes que incluíam, naturalmente, os fogos. Mas não como um remendo feito à pressa para apagar incêndios, como agora se pretende, nomeadamente sem uma visão integrada, sem a certeza dos meios necessários e sem a dimensão estratégica que permita aos nossos militares atingirem os resultados, o prestigio e o reconhecimento público, nacional e internacional, que merecem, ao serviço do prestígio de Portugal e da defesa da vida de portugueses e europeus.

Poderia utilizar outros exemplos em que a ausência de estratégia compromete o futuro dos portugueses, como é o caso do crescimento da economia, que tem desaproveitado a enorme oportunidade que resulta de Portugal se situar no centro do Ocidente, entre as duas maiores economias mundiais, num tempo em que se antevê um crescimento acentuado do comércio no Atlântico e quando a logística se tornou um importante fator da competitividade das empresas e das nações. Para mais quando temos todas as condições – de localização, de competências e de competitividade dos custos – para atrair o investimento estrangeiro de empresas integradoras que recebam aqui os componentes e os sistemas de que precisam, de Portugal e de todo o mundo, e os transformem em produtos no território nacional, com o objetivo de os exportar para todo o mundo.

Num tempo em que a China prepara o seu futuro para os próximos 50 anos e alguns pequenos países como a Irlanda há muito escolheram quais são as suas oportunidades nesse futuro, Portugal não sabe para onde vai e esgota-se em decisões avulsas de curto prazo, revelando a incompetência política e estratégica da maioria dos dirigentes. A causa próxima desta situação reside no controlo não democrático exercido pelos partidos políticos sobre a sociedade, com a nota absurda de os setores mais dinâmicos da economia, as empresas privadas, nomeadamente do setor exportador, serem vigiadas e escrutinadas com desconfiança, cobertas de impostos, de burocracia e de custos improdutivos, modelo sem qualquer sentido no mundo global de concorrência, de competição e de inovação em que vivemos.

Como sabemos, em democracia existem sempre alternativas, e neste estado de degradação do pensamento estratégico e de má governação, a alternativa passa pela democratização do nosso regime político e pela alteração das leis eleitorais, a fim de permitir o acesso de todos os portugueses à participação política, feita com maior competição e mais competência na ocupação dos cargos políticos, de forma a colocar um travão na existência de governos de amigos e de familiares, como agora acontece, e de que os fogos são a consequência. É o que defendemos no “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: 
artigo publicado no jornal i.

1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

EXPRESSO 04.11.2017



Ainda sobre o roubo de armamento em Tancos



Por certo, a maioria dos portugueses continua a nada entender sobre o que desapareceu — afinal era obsoleto, mas depois já não era — de armamento e munições de Tancos, e que acabou por aparecer e afinal, ter valor! E, no meio destes desaparecimentos e aparecimentos, não houve explicações ”cabais e concisas” de como teria tudo acontecido (...). Parece, como em tantas outras situações no nosso país, que se vai tentando que novas notícias — que são em catadupa e todas iguais na maioria dos meios e comunicação social — façam esquecer este desaparecimento/aparecimento, de Tancos/da Chamusca. E a 10 de junho do próximo ano, tal como aconteceu este ano, haverá grande aparato militar, por certo já não no Porto, e parecerá que tudo sempre esteve bem e nada de gravíssimo terá acontecido em Tancos em junho de 2017, depois do dia 10. E se o que nos for sendo explicado a conta-gotas, por insistência de vários lados para que o seja, for só o que até aqui tem sido, talvez seja muito, muito pouco. Por certo muitos de nós nos questionaremos se haverá necessidade de haver tantos “locais” das Forças Armadas. Em vez de divididos pelos três ramos, se não poderiam estar aglutinados, mais bem controlados gerando poupanças nos nosso impostos, e evidentemente mais eficazes! E a eterna pergunta será, também, se amanhã não voltará a haver um novo episódio como este (...) de desaparecimento/aparecimento, de armas e munições?

Ou está tudo como “dantes no quartel de Abrantes? E já agora, nunca mais nos falaram de umas pistolas que terão desaparecido da nossa polícia? Ficará para a próxima!

Augusto Küttner de Magalhães, Porto