quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O Orçamento Geral do Estado corporativo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Só uma nova lei eleitoral que permita novas lideranças, na linha do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”, poderá avivar a esperança num verdadeiro Orçamento do Estado ao serviço de todos, proposto por um ministro das Finanças que o seja de Portugal, e não das administrações públicas e das corporações instaladas.


O Orçamento Geral do Estado corporativo 
Passadas as eleições, vai começar no parlamento o solene debate do Orçamento do Estado. Aliás, um debate pró-forma, já que, depois de aprovado, sofrerá tantos desvios, transferências e cativações, alterações ad hoc ao sabor dos interesses de ocasião, que a sua execução acabará num retrato em que ninguém reconhecerá o original. O que, aliás, não preocupa ninguém, muito menos a nomenklatura política, que considera a prestação de contas pelo governo, traduzida na apresentação da Conta Geral do Estado no parlamento, como assunto irrelevante, despachado burocraticamente em sumaríssimo debate. As questões do género, essas sim, é que são importantes.

Entretanto, diversas corporações fazem-se ouvir no Ministério das Finanças, e a todas o ministro dando resposta, o Orçamento deixa de ser do Estado para ser o Orçamento do Estado corporativo. De imediato apoiado pelos media, que fomentam à exaustão análises corporativas para todos os gostos: a do funcionário sobre os aumentos salariais, a do sindicalista sobre os seus efeitos nas negociações dos acordos coletivos, a do deputado sobre os fundos afetos ao seu círculo, a do autarca sobre as verbas que não recebe, a do burocrata, pelas magras dotações do seu serviço e pelas regalias que não obteve, a do defensor de mais Estado, pelo sempre reduzido e insuficiente aumento da despesa, e a do artista pelos escassos subsídios para a cultura, artes e cinema. E o investigador discute o “desinvestimento” na investigação, mas não diz uma palavra sobre o seu conteúdo ou sobre o número de patentes que produziu. Aliás, trabalhar para patentes seria degradar a investigação…

Durante dois meses ouviremos políticos, comentadores, grandes economistas e pensadores: uns irão analisar o Orçamento pelos objetivos que prossegue, outros pelos meios que utiliza, uns tantos pela receita, mais outros pela despesa, e muitos pelo défice, esquecendo que este é um simples efeito, e não uma causa.

O comentário refletirá apenas interesses parciais, sejam eles políticos, partidários ou corporativos; e, tomando sempre cada um a parte pelo todo, o OE é bom, sofrível ou mau para o país consoante o seu problema pessoal é resolvido, considerado ou ignorado.

Os debates na rádio e na televisão privilegiarão o espetáculo: convidam-se muitos para que ninguém diga nada, porque o tempo é escasso, mas considera-se que o show resultou. E o serviço público fica tanto mais cumprido quanto se enfatiza que não tributar mais os mais ricos é um escândalo e um desaforo.

E os raros que tentam fazer uma análise compreensiva, séria e global do Orçamento são abafados pelo ruído geral.

Por isso, de tudo se fala menos do essencial: como travar o aumento vertiginoso da dívida pública, apesar da fiscalidade asfixiante, e o nível insuportável da despesa pública que não se traduz em benefício sentido pelo cidadão e pela economia. Despesa estéril, que sustenta tarefas em duplicado, atividades sem objeto conhecido ou útil, serviços em circuito fechado, que têm em meras prestações recíprocas redundantes a sua única razão de existir, e também os pedintes institucionais que, seguindo o aforismo de quem não chora não mama, viram no aconchego do Estado um rendoso modo de vida. São eles que, afinal, moldam o Orçamento do Estado corporativo que dizem ser do Estado de todos nós. E é esse Orçamento corporativo que tanto se discute que acaba por ser o espelho da democracia sem qualidade em que vivemos.

Só uma nova lei eleitoral que permita novas lideranças, na linha do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”, poderá avivar a esperança num verdadeiro Orçamento do Estado ao serviço de todos, proposto por um ministro das Finanças que o seja de Portugal, e não das administrações públicas e das corporações instaladas.
António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade


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