quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Ausência de reforma é crime político

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, ontem saído no jornal i.
Na antecâmara das próximas eleições autárquicas de 1 de Outubro, temos assistido a uma série de comportamentos desviantes, vazios de conteúdo e de sentido de responsabilidade.


Ausência de reforma é crime político

Tenho um bom amigo apelidado por António Guterres o autarca modelo e considerado por muitos o melhor autarca português que insiste em repetir que a política existe para entender e servir as pessoas transformando o território de acordo com o tempo, a cultura e as ambições. Cada vez melhor o entendo.

É através do poder local que se define e implementa muito do que respeita à qualidade de vida das pessoas que vivem, trabalham, visitam ou simplesmente atravessam o território. É nesta matéria que a acção política ganha relevo prático e importância rumo ao desenvolvimento económico, inclusão e equilíbrio social. Há provas disso na história política contemporânea portuguesa nalguns excelentes exemplos de autarcas que contribuíram de forma evidente para o desenvolvimento do território.

Na antecâmara das próximas eleições autárquicas de 1 de Outubro, temos assistido a uma série de comportamentos desviantes, vazios de conteúdo e de sentido de responsabilidade, entre os quais:

• A fulanização do debate à volta de tricas em detrimento do debate das ideias e projectos;

• O desinteresse, salvo raras excepções, da generalidade dos actores políticos de peso e de personalidades com curriculum e história à presidência de Câmara – veja-se a título meramente ilustrativo o exemplo dos candidatos a Lisboa ou a invasão pelo país fora de boys & girls, sem qualquer experiência profissional, a candidatos a lugar tão influente na gestão de organizações extremamente importantes;

• Poucos partidos apresentam candidaturas à totalidade dos municípios;

• A abstenção nas eleições autárquicas, como consequência, evidencia a distância dos eleitores a tão importante decisão.

Tarda o diagnóstico sério e tarda a fundamental evolução e inovação no que à gestão autárquica diz respeito. Temos em Portugal 308 municípios dos quais 278 estão no continente, 19 nos Açores e 11 na Madeira. Desses 308 municípios apenas 58 têm mais de 50.000 habitantes, 238 têm menos de 40.000 habitantes, 184 têm menos de 20.000 habitantes, 118 têm menos de 10.000 habitantes, e 42 têm menos de 5.000 habitantes. A titulo de referência é importante mencionar com base no critério populacional que o maior município é Lisboa com cerca de 500.000 habitantes, o 10º é Oeiras com cerca 175.000 habitantes, o 20º é Vila Nova de Famalicão com cerca de 135.000, o 30º é Vila do Conde com 80.000, o 40º é Palmela com 65.000, o 100º é Albergaria a Velha com cerca de 25.000, o 200º é Mogadouro com cerca de 8.000, o 300º é Penedono com cerca de 2.700.

Esta estrutura tem por base uma divisão territorial, ao tempo (há cerca de 200 anos), altamente reformadora liderada em 1832 e 1836 respectivamente por Mouzinho da Silveira e Passos Manuel. Convém lembrar que, na altura, não havia nem telefone nem telex, nem rádio nem televisão, nem estradas nem autoestradas, e de Bragança a Lisboa eram vários dias de viagem...

É evidente que a estrutura de 308 municípios é inadequada e prejudicial à boa gestão territorial contemporânea. As tecnologias e a inovação a todos os níveis trouxeram novas exigências e novas possibilidades, tornando o modelo de há dois séculos bastante desadequado. São várias as inconveniências, sendo as mais evidentes as estruturas organizacionais pouco pensadas e excessivamente burocráticas, a deficiente gestão de custos fixos e economias de escala, a frágil capacidade negocial perante fornecedores, governo central e comunidade europeia.

Para chegar ao número de municípios adequado, haverá vários possíveis critérios e o tema deveria ser objecto de bons estudos (nomeadamente por parte dos adormecidos gabinetes de estudos dos partidos). Pessoalmente, considero, à luz do princípio com que abri este texto, que o melhor critério corresponde ao numero de habitantes, parecendo-me adequado uma fasquia mínima de 25.000. Sem grande estudo e numa análise simples uma regra dessas aponta para cerca de 180 câmaras municipais permitindo dimensões territoriais adequadas à adequada integração de populações.

Por que mantêm então os partidos de governo esta estrutura de 308 municípios a funcionar? Porque esta estrutura é vantajosa para assegurar mais jobs for the boys & girls que por sua vez sustentam as lideranças dos partidos. É por isso que nem se fala em alterar algo que foi estabelecido em 1832-1836 e que tão bem serve as reais necessidades da partidocracia em que vivemos.

Por fim e numa óptica reformadora, considero que o órgão governativo mais importante será certamente aquele que regularmente venha a juntar os presidentes de câmara com o primeiro-ministro e o governo. Essa integração permitirá ao país evoluir mais rapidamente. Também no contexto reformador e no sentido do desenvolvimento de competências, faz sentido a criação de uma escola de formação para dirigentes, candidatos e eleitos autárquicos. Também indispensável e aparentemente tabu é a revisão séria quanto ao salário dos eleitos.

Há tanto para pensar, debater e fazer na modernização da governação do país que assisto incrédulo à teimosa incapacidade do presidente do PSD em produzir uma ideia reformadora e inovadora. Considero estarmos perante um grave delito político quando vejo todos no partido olhando calma e silenciosamente para esta falta de criatividade política que persiste, perigosa e teimosamente, hipotecando a credibilidade do PSD.

Não é excessivo sublinhar a ideia de o desenvolvimento do país passar pela evolução qualitativa da democracia que apenas uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

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