quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Os salários, o confisco e o emprego

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
A generalidade da opinião pública não se apercebe da enorme discrepância entre o dinheiro que uma empresa tem de despender com os seus colaboradores e o valor líquido das remunerações que, efetivamente, estes recebem ao fim de todos os meses.


Os salários, o confisco e o emprego

As empresas privadas que atuam nos setores concorrenciais da economia, ou seja, que produzem bens e serviços diretamente transacionáveis, têm de lutar permanentemente para garantir a respetiva competitividade em mercado aberto, para poderem gerar os recursos financeiros que assegurem o pagamento dos respetivos compromissos e poderem ficar com uma margem que lhes permita investir para garantir o futuro.  
O compromisso mais importante que uma empresa tem, em termos sociais, é assegurar o pagamento pontual dos salários aos seus colaboradores! Só que a generalidade da opinião pública não se apercebe da enorme discrepância entre o dinheiro que uma empresa tem de despender com os seus colaboradores e o valor líquido das remunerações que, efetivamente, estes recebem ao fim de todos os meses. E porquê esta enorme discrepância?

Porque no meio está o Estado que, através do fisco e da Segurança Social, todos os meses se apropria duma parte significativa do que as empresas têm de despender por terem trabalhadores a seu cargo, e porque também legisla em termos de responsabilidades complementares que as empresas têm de ter com os trabalhadores.

Vejamos, de forma simplificada, dois exemplos paradigmáticos.

Comecemos pelo salário mínimo, que oficialmente se situa hoje nos 557 euros mensais. Este valor nada tem a ver com aquele que uma empresa tem efetivamente de despender por ter um colaborador que receba o salário mínimo.

Vejamos porquê: aos 557 euros acrescem, desde logo, os 23,75% da TSU que a empresa tem ainda de pagar diretamente à Segurança Social por ter trabalhadores a cargo. Além disso, por obrigação legal, a empresa tem também de despender cerca de 4% para pagar o seguro contra acidentes de trabalho e os serviços de medicina no trabalho. Ora aqui vamos já em 557+557x 0,2375+557x0,04, ou seja, 712 euros. E como cada trabalhador tem, por lei, direito a 14 salários mensais por ano, em cada mês de calendário, a empresa tem de despender pelos trabalhadores com salário mínimo o montante de 830 euros. É este o montante mensal que conta quando a empresa tem de concorrer com os respetivos produtos e serviços nos mercados internacionais.

Vejamos agora um outro caso: uma empresa pretende promover um colaborador qualificado a que paga atualmente um salário de 2500 euros e aumentar o respetivo salário em 500 euros.

Ora, em termos de despesas para a empresa, este aumento vai custar, já com a TSU da empresa e os seguros/medicina no trabalho, 500+500x0,2375+500x0,04, ou seja, um total de 710 euros. Mas dos 500 euros que a empresa destina ao trabalhador, 11% vão logo para a Segurança Social como contribuição obrigatória para a TSU, sobrando, portanto, 445 euros. E agora entra o fisco com o IRS que, para este nível de remuneração, vai buscar diretamente 45% deste montante. Portanto, dos 710 euros que a empresa gasta mensalmente com este aumento de salário, sobram para o trabalhador apenas 245 euros, ou seja, menos de 35%! A grande maioria do dinheiro, 465 euros, vai diretamente para o Estado ou para entidades escolhidas pelo Estado.

É este o confisco fiscal a que a classe média que trabalha em empresas privadas está hoje submetida em Portugal. E é também o enorme fardo que as empresas de bens transacionáveis têm de suportar para recrutar trabalhadores em Portugal e competir no mercado global .

Daí a exigência acrescida com que o governo, como gestor do Estado, tem de responder perante os cidadãos, com uma utilização extremamente rigorosa dos imensos recursos que estes lhe depositam nas mãos. Este é um objetivo prioritário a que uma democracia de qualidade tem de responder.

E, por isso, enorme é a perplexidade com dois acontecimentos recentes que põem seriamente em causa a capacidade do Estado de utilizar de forma responsável os recursos que vai buscar aos cidadãos:

– a enorme tragédia humana provocada pelos fogos florestais de Pedrógão Grande, em que perderam diretamente a vida pelo menos 64 dos nossos concidadãos no passado dia 17 de junho de 2017 e em que, entre as 14 horas e as 20 horas dessa tarde fatídica, o Estado se revelou incapaz de velar pela segurança de cidadãos indefesos, incluindo aqueles que foram aconselhados a viajar por uma estrada nacional onde vieram a ser queimados vivos;

– e a decisão de recrutar para a função pública bolseiros pós-doc, sem que o Estado tenha introduzido em alternativa qualquer incentivo adicional para que estes possam mais facilmente fazer as suas carreiras em empresas privadas e onde certamente estas serão capazes de promover a respetiva competitividade em mercado aberto.

Sendo assim incentivados para continuarem apenas no Estado, ficarão cada vez mais longe de contribuir diretamente para o desenvolvimento económico de Portugal – só menos de 4% dos doutorados portugueses trabalham hoje fora do perímetro do Estado. Ou seja, as empresas pagam impostos para que esse dinheiro seja usado para que alguns dos jovens mais bem preparados do país vão trabalhar para o Estado e não para as empresas!

Como se vê, há infelizmente imenso a fazer em Portugal para que possamos vir a ter uma verdadeira democracia de qualidade. E só com esta os empregos com futuro estarão assegurados!

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

Sem comentários: