quarta-feira, 31 de maio de 2017

O sistema político português

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.

Tal como nós, Manuel Braga da Cruz aconselha a reforma das leis eleitorais, nomeadamente através de círculos uninominais e de um círculo nacional.

O sistema político português

As ideias e as propostas que os subscritores do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade” têm defendido, nomeadamente nas páginas deste jornal, acabam de receber um apoio qualificado na publicação de um importante ensaio do prof. Manuel Braga da Cruz com o título “O sistema político português”. Trata-se de um ensaio de grande lucidez e atualidade, escrito numa linguagem clara, que nada deixa de fora da história do nosso regime político após o 25 de Abril, dos seus vícios e dos interesses que ao longo dos anos se têm escondido no conservadorismo de leis feitas por conveniência e pela promiscuidade com o Estado, ao ponto de o autor escrever que “são hoje notórios os sinais de degradação do nosso sistema democrático representativo”. Para demonstrar a afirmação, o autor dá dados: “O número de jovens portugueses que consideravam que a democracia funcionava bem desceu, de 2007 para 2015, de cerca de 33% para 17,3%. O número de jovens que participavam em partidos desceu, nesses mesmos anos, de 13,6% para 3,7%, e os que participavam em sindicatos decresceu de 12,1% para 3,6%.”

O prof. Manuel Braga da Cruz explica ainda algo essencial e hoje muito esquecido: “Os partidos saíram reforçados da transição constitucional, mormente com a desmilitarização da vida política e com a redução dos poderes do Presidente da República, na primeira revisão da Constituição de 1982. O afastamento dos militares da cena política e o seu regresso aos quartéis, a reeleição civil do Presidente Eanes e o seu abandono da chefia do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a extinção do Conselho da Revolução e a sua substituição por órgãos civis tornaram os partidos os grandes e exclusivos atores da vida política nacional.” E, mais à frente: “Os partidos detêm o monopólio da representação política e controlam ferreamente o acesso ao parlamento, através do sistema eleitoral de lista fechada.” Ou ainda: “Os partidos arriscam-se a representar não o melhor, mas o pior da sociedade. Muitos dos melhores afastam-se da política e dos partidos, com a consequente debilitação das lideranças.”

Tal como nós, Manuel Braga da Cruz aconselha a reforma das leis eleitorais, nomeadamente através de círculos uninominais e de um círculo nacional (refere aqui o sistema alemão), e preconiza um equilíbrio virtuoso entre a governabilidade e a representatividade porque, na atualidade, diz ele: “ A unidade básica do parlamento português não é o deputado, mas o partido. O parlamento é uma câmara de partidos.” Esclarecendo a seguir: “Os grupos parlamentares são mais um órgão do partido no parlamento do que o inverso: um instrumento do parlamento no partido.”

Parece, pois, evidente que depois do período revolucionário, em que o poder militar limitou de alguma forma o poder dos partidos políticos, a generosa intenção então existente de democratização do regime foi aproveitada para dotar os partidos de todo o poder, o que fizeram tomando conta do aparelho do Estado em todas as suas dimensões. São os partidos que designam membros do Conselho de Estado, do Tribunal Constitucional, do Conselho Superior da Magistratura, o procurador- -geral da República, a administração do Banco de Portugal e de todas as empresas públicas. Além disso, a conhecida promiscuidade entre os partidos e o mundo dos negócios faz com que mesmo em empresas privadas, como é o caso da EDP, os partidos mantenham ex-governantes e militantes seus em lugares de direção, solução promovida ou aceite pelos acionistas como a forma útil de manterem os favores do Estado, que representam milhares de milhões de euros anualmente.

Finalmente, como escreve o prof. Braga da Cruz: “Os Gabinetes de Estudo e Planeamento, que asseguravam a reflexão do Estado sobre si e sobre as suas estratégias setoriais, foram encerrados ou desvalorizados. E acabaram a ser substituídos por outsourcing de gabinetes de projetos ou de advocacia que não têm, nem podem ter, visão de Estado e do interesse público.”

A publicação em livro do ensaio “O sistema político português”, do prof. Manuel Braga da Cruz, representa um excelente serviço prestado à democratização do regime e à luta dos signatários do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”.

Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.


terça-feira, 30 de maio de 2017

Notas soltas sobre questões eleitorais e outras

Não há nada de eterno...

Um interessante artigo de Nuno Garoupa no DN, intitulado "PRD" (http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/nuno-garoupa/interior/prd-8516986.html) faz algumas considerações sobre o nosso sistema eleitoral e a sua resiliência em face da crise de 2007 - 2014 que nos aconteceu.
Em contraponto com os sistemas politicos do resto da Europa, o sistema português teria reagido muito bem, mantendo o essencial da sua arquitectura politica. "Enquanto a crise do euro mudou o xadrez em quase todos os países da UE15, Portugal apresenta-se como uma notável exceção" diz Nuno Garoupa.
Não sei se concordo com esta versão dos factos: a mim, afigura-se-me que enquanto em outros países Europeus o sistema político de recompõe perante novos desafios e mudanças de paradigma, em Portugal não somos adeptos da evolução, somos adeptos da ruptura.
Ao longo da nossa história, as mudanças de regime foram sempre violentas e forçadas contra o status quo. Foi assim com a independência do Condado Portucalense, com a crise de 1383-1385, com o ocaso da Dinastia de Aviz, em 1580, com a Restauração, com a afirmação do poder absoluto pelo Marquês do Pombal, com as sequelas das invasões francesas, a crise liberal, as várias crises cartistas, a queda da monarquia, a emergência do Estado Novo, a queda do Estado Novo... É uma história de guerras, golpes de estado, motins populares violentos, intervenções estrangeiras, reconfigurações da geografia estratégica nacional.

O que penso é que a falta de evolução do nosso sistema politico em resposta a mudanças  paradigmáticas na nossa sociedade, não é uma coisa boa, mas antes uma incapacidade para mudar a bem.
Tal como vejo as coisas, o sistema político português está completamente bloqueado por uma constituição formal e informal em que ninguem verdadeiramente se reconhece e que nunca haverá uma maioria para mudar no fundo.
Houve tempos em que foi defendido que o sistema português impedia a formação de maiorias absolutas, mas como se viu não é verdade. Por outro lado, como também se viu, as maiorias absolutas servem de pouco quando se trata de pôr em causa um sistema criado em determinadas circunstância no século passado há quase meio século.

Num momento em que o mais basico bom senso obrigaria a repensar as bases do nosso contrato nacional, as fórmulas de representação política que temos, de forma a dar vazão às mil e uma pulsões sociais que não encontram nenhuma válvula de escape no sistema, o que constatamos é que os bloqueios do sistema são muito mais fortes que a vontade de mudança e de reforma.
O que este sistema já nos mostrou é a sua extraordinária resiliência às crises que o abalam, não porque não se queira mudar, mas porque não se consegue mudar.

Um dia, esta tensão acumulada rebenta a bolha e teremos mais uma mudança forçada e traumática. Porque só mudamos a mal...

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Dias de sorte

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
De repente, crescemos mais que o resto da Europa, o desemprego diminui mais depressa, ganhamos o festival da Eurovisão, ganhamos o Euro, o Papa visita-nos para fazer dois santos portugueses, é um rodopio.

Capa d'O INIMIGO PÚBLICO, edição de 12.mai.2017,
antes ainda do triunfo de Salvador Sobral

Dias de sorte
O que normalmente estraga a imagem dos governos é a frustração das expetativas. Desse ponto de vista, o atual governo de Portugal teve sorte: começou com tão poucas expetativas, quer quanto ao tempo que ia durar, quer quanto ao que poderia fazer, que tudo o que aconteceu depois foram boas notícias.

Parece até que, por uma espécie de vertigem celestial, só nos acontecem coisas boas numa sucessão em catadupa que entorpece os sentidos. De repente, crescemos mais que o resto da Europa, o desemprego diminui mais depressa, ganhamos o festival da Eurovisão, ganhamos o Euro, o Papa visita-nos para fazer dois santos portugueses, é um rodopio.

Como dizia alguém por piada, “se tudo corre bem, são péssimas as perspetivas: só pode piorar”. Essa, aliás, parece ser a perspetiva do principal partido da oposição: esperar que tudo piore. Depois de sairmos do célebre procedimento por défice excessivo, podem esperar sentados.

Gente sensata aproveitaria o momento para fazer o balanço da situação, ver aquilo que está bem e pode ser melhorado e aquilo que está mal e deve ser substituído ou reparado. Não me parece que venha a ser o caso. Não vai ser o PS a mexer na máquina do Estado, que lhe rende umas boas centenas de milhares de votos e onde está sediado o grosso da sua clientela partidária. Não vão ser o Bloco de Esquerda ou o PC a propor uma diminuição do peso do Estado. Nenhum destes, nem o PSD estão disponíveis para pensar a sério nos problemas das famílias e da natalidade.

Como as coisas correm bem, ninguém se está a preocupar particularmente com a queda a pique do nível de poupança dos portugueses, que é irrelevante, com a quebra violenta das estruturas familiares de base, que determinam já uma diminuição assustadora da natalidade – abaixo do nível de manutenção, que é de 2,2 filhos por casal.

Poder-se-ia dizer que é porque somos uma sociedade moderna e desenvolvida, que a estrutura familiar de base de que falo é uma coisa do passado, que o dinheiro poupado é dinheiro roubado ao consumo e, portanto, à saúde das empresas. É…

A verdade é que nem todas as sociedades modernas e desenvolvidas têm uma curva demográfica tão assustadora como a nossa, nem todas repousam no consumo como motor da economia e muitas têm perfeita consciência de que a taxa de poupança é a alavanca do crescimento económico. Crescer sem capital é prestidigitação.

Depois há “aquela” questão da educação dos jovens portugueses. Está a melhorar, dizem. Esperemos que sim, mas há dias em que desespero. Foi muito criticado o “Correio da Manhã” por ter publicado um vídeo de uma suposta violação ocorrida num autocarro do Porto. Vi o vídeo e penso que o “Correio da Manhã” nos prestou a todos um grande serviço de informação.

O que se vê no vídeo é o antebraço e a mão que se adivinha de um rapaz, por baixo das calças de alguém que vimos depois a saber que é uma rapariga completamente drogada ou completamente bêbada, mão que se agita e mexe na zona do sexo da rapariga. Vimos também mãos e braços de circundantes e ouvimos gritos entusiasmados de ânimo ao dono do braço e da mão oculta nas calças da rapariga. Ou seja, o que salta aos ouvidos é um ambiente de forte entusiasmo masculino e feminino à volta da suposta violação. Tudo grita, tudo encoraja, sobretudo elas. Isto é o que eu vi e ouvi.

As conclusões que tirei são tristes. “Isto” é que é a geração mais educada de sempre? Este bando de suburbanos embrutecidos, cheio de álcool e sedento de excitações baratas é que são os “nossos” jovens?

Esta completa falta de pudor, de educação no verdadeiro sentido da palavra, de retidão e honorabilidade vem de onde? De que suposto sistema educativo? De que famílias?

Quando se vê isto, entende-se melhor por que é que em Portugal as taxas de abstenção eleitoral são avassaladoras: é que, na verdade, não temos cidadãos formados em cidadania; não temos cidadãos responsáveis que assumam responsabilidade por si e pela comunidade em que vivem. O que temos são assistidos do Estado e gente que acha que, nada tendo, tudo lhes é devido sem dar nada em troca.

Tem havido na Europa quem sugira que o voto devia ser obrigatório. Subscrevo essa tese na íntegra e acrescento duas coisas: a primeira é que o direito de voto deveria pressupor ao menos a manifestação do conhecimento mínimo do sistema político; a segunda é que a violação do dever de votar deveria ter sanção, e pesada, ou em penalização fiscal ou em multa significativa.

A verdade nua e crua é que um sistema político e eleitoral só pode funcionar saudavelmente se os cidadãos que o formam se comportarem como cidadãos, e não como plebeus destituídos de direitos, responsabilidades e deveres.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mitos e obstáculos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas.


Mitos e obstáculos
O país tem vivido de mitos, de tal modo assimilados que já são tomados como realidade. Eles servem a classe político-burocrática instalada que os sustenta e dinamiza, pois lhe trazem retorno eleitoral assegurado.

Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas, ou até só de algumas, ou unicamente do setor público estatal. Para melhor servir tal objetivo, o Ministério das Finanças tornou-se tentacular, comandando ou influenciando decisivamente cada vez mais áreas e organismos, acentuando a prevalência do Estado na esfera económica e tornando clara a subordinação da economia real à lógica das administrações públicas e do calendário eleitoral. Prova é a política fiscal, concebida ao exclusivo serviço do Estado e ao arrepio da economia, ou a política orçamental, ao serviço dos interesses das burocracias instaladas e dos partidos do poder. O Ministério das Finanças, salvo honrosas exceções ou mercê de imposição externa, tem-se constituído como o grande patrono dos interesses burocráticos e partidários, prodigalizando-lhes o dinheiro que retira à economia, ao investimento, à formação e reorganização empresariais, e, assim, à produtividade e inovação.

Segregar do Ministério das Finanças muitas das funções que detém seria o melhor símbolo de autonomia da economia real (e do Ministério da Economia…) face às finanças públicas.

Também o mito eólico leva as pessoas a acreditar, já sem questionar, que o vento tornaria, por si, a energia mais barata. O mito fez esquecer que se tratava, e trata, de uma indústria de capital intensivo e de tecnologias que nem sequer dominamos, que levou a investimentos desproporcionados em relação à dimensão portuguesa, exigindo outros complementares nas fontes tradicionais que compensem a intermitência do vento, gerando dessa forma custos de oportunidade injustificados. O mito fez aceitar uma política energética cara, altamente lesiva dos interesses dos cidadãos e das empresas, afectando a economia familiar e a competitividade empresarial.

Outros mitos estão presentes na sociedade portuguesa. O mito da liberdade de empreender e investir, que não existe, sujeita a condicionamentos de toda a ordem; o mito da ecologia radical, que mais não faz que destruir projetos económica e ambientalmente interessantes; o mito do Estado produtor, que destrói a ideia de um Estado eficiente, regulador e fiscalizador; o mito da tragédia das falências e da bondade do apoio do Estado a empresas em dificuldade, que impede o rejuvenescimento do tecido produtivo.

Tais mitos traduzem-se em obstáculos ao desenvolvimento porque geram uma cultura que vê no Estado a solução dos problemas e o agente do progresso, logo uma cultura de aversão ao risco, de anti-empreendedorismo e de desconfiança face à globalização, inibidora de vontades e de projetos. Como estimulam a mentalidade conservadora da administração pública e a resistência à mudança, traduzidas num acentuar do seu poder burocrático, gerador de corrupção, e inibindo uma concorrência sã, pilar da economia de mercado.

E se os antigos gregos cultos viam a mitologia como forma de educação que indicava o caminho a seguir, distinguindo claramente as diversas categorias de deuses e heróis, insólito é que os portugueses de hoje ainda aceitem acriticamente toda a mitologia que a existente nomenklatura política, perpetuada pelo sistema eleitoral, lhes vai diariamente incutindo.

Zeus ofereceu à sua filha Pandora uma caixa de cobre, mas ordenou-lhe que nunca a abrisse. Mesmo avisada de que nunca deveria ter aceitado presentes dos deuses (e eu diria, nós, do Estado…), não resistiu a abri-la. Dela saíram todos os males do mundo, sofrimento, pobreza, velhice, doença… Desesperada, Pandora tentou fechar a caixa, mas era tarde. E então espreitou lá para dentro. E viu que uma estrelinha ainda lá tinha ficado, muito escondida, mas bem reluzente. Era a esperança!...

Possa também o Projeto Por Uma Democracia de Qualidade alimentar essa esperança de um novo processo eleitoral que leve à erradicação da classe político-burocrática instalada que sustenta os mitos e vive deles, substituindo-a por outra, de cabeça limpa, disposta a remover os obstáculos ao nosso desenvolvimento.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 10 de maio de 2017

Acabar com os ricos... ou com os pobres

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

A pretensa opção entre acabar com os ricos ou acabar com os pobres nunca terá tido entre nós um grau de pertinência comparável ao que se regista no momento atual.


Acabar com os ricos... ou com os pobres
Numa suposta conversa havida entre Otelo Saraiva de Carvalho e Olof Palme, no pós-25 de Abril, o primeiro teria dito ao segundo que o que se pretendia nessa época em Portugal seria acabar com os ricos, ao que Olof Palme terá retorquido, com alguma piada, que na Suécia se pretendia precisamente o contrário: acabar com os pobres! A pretensa opção entre acabar com os ricos ou acabar com os pobres nunca terá tido entre nós um grau de pertinência comparável ao que se regista no momento atual.

No momento atual, a narrativa de austeridade que caracterizou a governação em anos transatos foi mais recentemente substituída por uma outra, de otimismo algo exagerado, que esquece as múltiplas reformas que urge implementar para atingir o nível de crescimento/desenvolvimento que os portugueses ambicionam. Não se pretende com isto dizer que não tenhamos vindo a assistir a desenvolvimentos positivos nos últimos trimestres, portadores de alguma esperança para os tempos que se avizinham. Em particular, a redução do défice orçamental das administrações públicas no ano findo, suscetível de conduzir à saída do país do procedimento por défice excessivo, bem como um crescimento do PIB para além das expectativas, com redução da taxa de desemprego, são aspetos positivos que importa assinalar e valorizar. Mas importa igualmente reconhecer que continuamos a gerir o curto prazo na base da conjuntura económica... descurando largamente o longo prazo. Com efeito, não só a austeridade permanece, embora em menor grau e sob formas diversas, como as reformas de que o país reconhecidamente carece para conseguir a credibilidade necessária a um desenvolvimento sustentável continuam por fazer. É isto que urge reconhecer!

Acresce que um tal otimismo não se afigura legítimo num contexto em que raramente as condições externas foram tão favoráveis à concretização das reformas indispensáveis e quando o desempenho de outros países do nosso espaço geográfico (nomeadamente a Espanha e a Irlanda) suplantam largamente o que estamos a conseguir; e isto aplica-se tanto em termos de crescimento e taxas de juro no financiamento externo como na confiança decorrente das expetativas resultantes das políticas prosseguidas.

Entre os problemas já identificados que urge resolver, realçamos o da representatividade do poder político como fonte de legitimidade democrática. É patente o afastamento dos cidadãos dos partidos e o seu crescente desencanto com a governação e a política. Assim sendo, a reforma do sistema eleitoral surge como indispensável, por forma a permitir uma intervenção mais direta e pessoal dos eleitores na escolha dos seus representantes. Como é sabido, o sistema eleitoral encontra-se capturado pelas lideranças partidárias, não permitindo que pessoas independentes se possam candidatar em representação dos muitos descontentes com o atual sistema.

Para além desta reforma básica, importa não continuar a adiar as reformas urgentes e em larga medida já consensualizadas como imprescindíveis ao país. Entre outras, são de referir: a da justiça, a da orgânica, competências e funcionamento das instituições reguladoras e da administração pública em geral, a da melhoria da governance das empresas públicas e as respeitantes aos domínios da formação profissional/educação, bem como da saúde e da segurança social.

No fundo e em particular, há que não perder de vista que a finalidade última das reformas a empreender consiste em promover o crescimento sustentável da economia, com base no investimento produtivo, na inovação e progresso tecnológico, por forma a assegurar a competitividade e a exportabilidade do output gerado como vias de assegurar o aumento do nível de vida e bem-estar da população. Igualmente presente deve estar a preocupação com a redução das desigualdades por via de uma repartição mais equitativa do rendimento. Tal implica a existência e o fortalecimento de uma “classe média” com capacidade e motivação para poupar e contribuir para o processo de crescimento e desenvolvimento do país.

Em conclusão, são necessárias políticas para acabar com os pobres... mas não com os ricos! Numa sociedade democrática são precisos “ricos” com capacidade para gerar poupança e assim poderem contribuir para a grandeza e enriquecimento do país. O problema é, pois, eminentemente político e de políticas. Frequentemente, culpam-se os economistas pelos insucessos do desempenho económico que se registam e ilustram-se estes com os falhanços das suas previsões. Esquecem-se, assim, os pressupostos em que estas foram feitas e a ausência de implementação das medidas que deviam servir-lhes de suporte.

Na prática, a responsabilidade pelos insucessos registados não cabe fundamentalmente aos economistas, mas aos políticos e às políticas que prosseguem, as quais frequentemente não são compatíveis com a credibilidade que gera confiança. Talvez isto explique também a interrogação que vem sendo feita do porquê da persistência na classificação de “lixo” como rating da nossa dívida, apesar das melhorias que se têm registado em vários indicadores da economia nacional. A resposta está em que, sem uma forte determinação e empenhamento na prossecução das reformas consideradas urgentes, os potenciais investidores na economia portuguesa permanecerão céticos quanto à solidez do nosso desenvolvimento futuro e continuarão a canalizar para outras paragens mais promissoras os seus recursos e energias!
A ignorância e o alheamento das decisões que a todos interessam e da forma como são tomadas são atitudes perniciosas que a todos afetam e não permitem o desbloquear da situação com que há muito nos debatemos. É vital tornar Portugal não só o país de sol, acolhedor e com boa comida onde é agradável viver, como igualmente o país onde o funcionamento dos órgãos do Estado e demais instituições relevantes propicia um clima estimulante para o progresso económico e social, suscetível de conduzir aos níveis de solidariedade e desenvolvimento porque todos nós há muito ansiamos. Mãos à obra!
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

As Jotas e os pontos nos ii

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
As Jotas precisam de ser livres. Livres do poder que as amarrou. Só assim recuperarão a imagem, a genialidade e o brilho da política.


As Jotas e os pontos nos ii

1. Os jotas – usualmente tratados como “jotinhas”, e não por carinho – são tema frequente. É comum apontar-se-lhes todos os males do mundo, elegendo-os como tema de caricatura, associados aos “jobs for the boys” ou “for the girls”. A primeira pergunta que nos devemos colocar – os jotas também – é o que se passou para que as juventudes partidárias passassem a ser percebidas, em linguagem tecnocrática, não como “asset”, mas “liability”, isto é, passivo, em vez de activo. E a segunda pergunta é se as Jotas são, hoje, factor de renovação do sistema político, se são ou podem ser um motor de esperança; ou são antes factor de cepticismo, alimentando a ideia de o sistema não ter conserto.

O problema das Jotas pertence sobretudo às Juventude Social Democrata (do PSD), Juventude Socialista (da JS) e Juventude Popular (do CDS), as Jotas dos “partidos do poder”, os que mais longamente estiveram no governo. As questões que afectem a JCP são de outra natureza. E o Bloco, mais recente, faz até gala em afirmar: «nós não temos Jota» – traduzindo o desprestígio que foi ferindo as organizações de juventude.

Há dias, num trabalho na revista do “Público”, a síntese de abertura era esta: «As juventudes partidárias são hoje mais pragmáticas do que ideológicas» – embora, curiosamente, o texto desenvolvesse muito o contrário, o trabalho ideológico das Jotas. Mas a jornalista apreendeu aquela verdade por detrás da aparência. E, se for assim, se forem “pragmáticas” e não “ideológicas” ou “doutrinárias”, as Jotas de pouco servem: não mobilizam por ideias, sonhos, valores, ideais. Não sendo ideológicas, tornaram-se mero veículo e eco reprodutor da vulgar “ideologia do poder”, o mal do tempo, o veneno que trouxe o sistema à podridão.

Houve, com o decurso dos anos, uma quebra sensível da militância. Se nos anos da Revolução e seguintes, o sentido da emergência cívica puxava quase todos os jovens para a acção política, hoje não é de todo assim. A normalização produziu um arrefecimento e os jovens passaram a olhar mais para as suas carreiras profissionais, a curar das suas vidas e interesses pessoais. O pior foi a ideia que se foi gerando entre os jovens, a cada fornada, a cada geração, de que os poucos atraídos pela política também estarem a tratar das carreiras e a cuidar das suas vidas e interesses. Se não havia neles um ideal vibrante que os exaltasse, se não irradiavam genuína convicção desinteressada, onde tinham, na verdade, a paixão?

Por isso, muitos jovens que, além do crescimento profissional, queriam dar largas a interesses sociais e cívicos foram canalizando – e bem – a sua generosidade para outro tipo de movimentos que não as juventudes partidárias. Estas desenvolveram tiques sem sentido útil e que as tornaram alvo de crítica, nas suas próprias gerações. Desenvolveram um “sindicalismo jovem”, que é, na essência, um modelo estúpido de sindicalismo. Enquanto a pobreza, a exploração, a desigualdade, onde existem, carecem de luta e organização para serem vencidas, a juventude não precisa disso: passa com a idade. As necessidades e os desafios postos pela juventude são de outra natureza e reclamam outra dinâmica. As Jotas têm, em geral, os 30 anos como limite de idade, o que é demasiado elevado – algumas chegaram a tê-lo nos 35 anos. Ora, a ideia de um “jovem sénior” é mais próxima do ridículo que da seriedade.

O problema maior nesta evolução perversa foi a relação das Jotas com o poder. Acabaram por tornar-se prolongamento dos vícios do sistema, em vez de reserva crítica e fonte de renovação. Cada uma tem a sua história; e os casos de estudo mais interessante são obviamente a JSD e a JS, com larga intimidade e promíscuo convívio com o poder, as estruturas da Administração Pública, os gabinetes e os fundos comunitários. Provaram, em abundância, do cálice do veneno.

Mas, também na esfera que me foi próxima, a JC, hoje JP, pude observar a evolução. Creio que o factor de distorção esteve nos Protocolos CDS/JC, que deram aos “jovens” vários “direitos” de poder interno, conferiram 10% dos colégios eleitorais do CDS à Jota e, entre outras metas de carreira, alimentaram a ideia de o Presidente da JP ter “direito” a ser deputado. Não está mal que os jovens sejam deputados; está muito bem que o sejam, se têm gosto precoce, jeito e talento para isso. Mas não devem precisar de ser Presidentes da Jota – são-no, porque são bons. Noutras palavras, são-no porque são jovens talentosos do partido, e não da Jota; não sujeitam, não subvertem, não instrumentalizam a Jota ao serviço dessa ambição.

Também a quota eleitoral de 10% tornou-se mais servidão do que poder: um instrumento servil em manobras eleitorais internas ou batotas dos caciques. Mesmo numa juventude fora do poder – como, na maior parte do tempo, a JC/ JP – a dinâmica foi muito semelhante à que íamos lendo nos jornais sobre as JSD e JS. Também a JP se tornou arena de lutas pelo “poder”, recorrendo a processos pouco idóneos: a conquista do “poder” era essencial ao acesso à miragem dos magros cargos. O partido sénior olhava com condescendência para os truques e desvios “democráticos”: «São rapaziadas, hão de crescer.» Mas muitos dos mais velhos eram, eles próprios, os mestres da batota, instrumentalizando a quota dos 10% para seu apoio ou industriando os jovens noutros mecanismos de domínio. E os mais novos, crescendo assim, consolidaram uma cultura doente: aparelhística, caciquista e de teia, que replicavam e refinavam, ao acederem, mais velhos, ao governo dos partidos.

O declínio fez-se assim. Só afastando as Jotas, enquanto tal, do exercício e ambição do poder, as recuperaremos para a função de renovação e refrescamento do sistema político. Os jovens são muito bem-vindos aos partidos. E quem quer intervir, deve fazê-lo logo. Mas nos partidos directamente, não a cavalo das Jotas.


2.  Portugal tem um problema sério com o sistema eleitoral. As Jotas são capazes de agarrar essa bandeira e forçar a reforma? Façam-no. São capazes de encontrar deputados que tenham liberdade suficiente para ser pontas-de-lança dessa mudança crucial?

Já percebemos que nos querem esconder as imparidades da Caixa. As Jotas são livres para impor o seu esclarecimento público e de quem foram os responsáveis? Vamos a isso.

Andamos a brincar com a dívida, que pesa brutalmente sobre o futuro. As Jotas são capazes de fazer produzir um relatório objectivo e um inventário sério, com um caminho rigoroso e exigente a prosseguir? Um manifesto de geração. Ou vão colaborar no contínuo ruminar da mentira?

Assistimos a um recuo brutal no valor da liberdade de ensino, abandonado até por quem se pensava defendê-la, o CDS. As Jotas, que não são escravas do Estado, são capazes de assumir o combate ideológico pela Liberdade e de afirmar uma alternativa com alto valor social?

Vai passar mais uma geração sem estruturar a Descentralização? As Jotas vão continuar a colaborar na centralização e a assistir, basbaques, à desertificação de boa parte do território?

Nestas e noutras questões, as Jotas deviam ser capazes de pôr os pontos nos ii, interpretando-as e animando-as. Para isso, precisam de ser livres. Livres do poder que as amarrou. Só assim recuperarão a imagem, a genialidade e o brilho da política.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i