quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Lições da História: o teorema de Pitágoras e o sistema político português

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Passados 27 séculos, também por cá os guardiães da doutrina afirmam como obra perfeita a atual ordem política. Tão perfeita que se arrogam o direito, já não de condenar ao afogamento quem a conteste, mas de dificultar, impedir e boicotar qualquer revisão da mesma.


Lições da História: o teorema de Pitágoras e o sistema político português 
Se não alterarem princípios, práticas e lideranças, os atuais partidos políticos acabarão por desaparecer ou ver reduzida a sua influência.

Pitágoras, séculos VI e V a.C., foi uma personalidade de saber enciclopédico, da astronomia à música e à religião, da aritmética e geometria à filosofia. Condensando esses saberes, fundou um movimento filosófico e político baseado na ordem e na harmonia, as mesmas que via no universo, no movimento circular das estrelas, na sucessão do dia e da noite, no ciclo de semear e de colher, movimento que determinou governos de várias cidades da antiga Grécia.

A propensão matemática de Pitágoras levou-o a pensar que tal ordem só podia ser explicada se o universo fosse regido por números e relações matemáticas. Os números, reflexo e representação dessa mesma ordem, não podiam ser senão perfeitos e, sendo perfeitos, eram também racionais, no sentido de que cada um deles se traduzia numa fração ou razão entre dois outros. O contrário seria impossível, uma irracionalidade.

Aconteceu que tal construção teórica foi posta em causa a partir da própria obra de Pitágoras, quando um discípulo, partindo do seu célebre teorema, descobriu que certos valores dos catetos determinavam para a hipotenusa um número decimal infinito e não periódico, o que contrariava dramaticamente a teoria pitagórica da racionalidade dos números e, pior do que isso, todos os fundamentos da sua doutrina. E de forma tão radical que Pitágoras chegou a negar a evidência e condenou o discípulo à morte por afogamento.

Passados 27 séculos, também por cá os guardiães da doutrina afirmam como obra perfeita a atual ordem política. Tão perfeita que se arrogam o direito, já não de condenar ao afogamento quem a conteste, mas de dificultar, impedir e boicotar qualquer revisão da mesma. Mas, tal como no tempo de Pitágoras ficou provado, e a partir da própria doutrina que concebera, que nem todos os números eram racionais, também aqui e agora se comprova, a partir da própria ação política, a imperfeição de uma ordem que se recusa a reconhecer as suas insuficiências, bem como a irracionalidade de princípios e normas em que assenta.

Como é o caso de princípios, ou ausência deles, que tornam legais ações políticas que provocam a rutura financeira do Estado e o definhar da economia, ou que tornam inconstitucionais medidas de mero bom senso, com prejuízo de todos e do bem comum, mas em benefício de lóbis sociais, empresariais e sindicais bem posicionados na escala do poder.

Ou que permitem a discriminação entre funcionários públicos e demais população, com esta a pagar os privilégios de emprego garantido e de horário reduzido dos primeiros, e também interpretações discriminatórias entre trabalhadores no ativo e na reforma, com uma base impositiva diferenciada a penalizar os reformados.

E de princípios que marcaram um tempo e uma geração, mantendo no seu ideário a abertura do caminho para uma sociedade socialista e que até, no limite, permitem a formação de governos com bases de apoio parlamentar nunca apresentadas e até sonegadas aos eleitores.

Na ordem pitagórica surgiram discípulos que puseram em causa alguns dos seus pilares constituintes. Não tendo sido ouvidos, o movimento acabou por desaparecer, envolvido nas suas contradições.

Também aqui, se não alterar comportamentos, o nosso sistema político acabará por soçobrar pelas mesmas razões que provocaram a extinção da ordem pitagórica. Urge, pois, arejar a nomenklatura política e promover a mudança de atores, através de processos eleitorais que levem à escolha dos melhores, e não dos meros seguidores dos aparelhos partidários que há muito se desobrigaram das reformas de fundo necessárias a Portugal.

Urge erradicar a irracionalidade política em que vivemos e o “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade” é um alerta nesse sentido. Devemos isso a Portugal.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

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