quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A lenta marcha dos pinguins amestrados em direcção ao nada…

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, hoje saído no jornal i.
Cheira-me que, depois do dia 4, vamos ouvir muitas vezes que «para dançar o tango, são precisos dois».

A lenta marcha dos pinguins amestrados em direcção ao nada…
Ao longo dos meses fui-me pronunciando regularmente sobre o tema das eleições de Outubro. Em 13 de Fevereiro de 2015 antevia que “quando chegarmos a Outubro a maioria vai dizer que cumpriu o programa de governo que apresentou em Junho de 2011, que levou a carta a Garcia, que executou com rigor e mérito o programa da troika, e dirão que «digam o que disserem, salvamos Portugal da bancarrota». 
E terão razão.

Dirão mais: que agora entramos noutra era, a era de consolidar os ganhos e de tratar do crescimento económico, reabsorver o desemprego no tecido produtivo e fazer as tais reformas de fundo para que não houve tempo na lufa-lufa do combate extremado contra a bancarrota.

E dirão bem.

E o que propõe a oposição? Nada. Nada de nada. Posso andar desatento, mas a única atitude que lhe detecto, é a dos «refuzeniks», a de esperar com ar indignado que a maioria seja corrida do poder por um povo syrizista que está farto da «austeridade», da troika, dos impostos, dos abusos fiscais, das «privações» e do «risco de pobreza».
Pode ser que sim pode ser que não, mas a verdade é que me começa a parecer que não chega. O tal povo pode estar farto, mas reconhece que o governo cumpriu. Tem isso no activo.”

Em 10 de Junho de 2015, opinei neste Jornal I (“da gratidão e da esperança em politica”) que veríamos em Outubro “um combate duro e bipolarizado que dificilmente deixará espaço para vozes alternativas”, e isto porque “Em Portugal temos neste momento um primeiro-ministro que deverá estar a pensar que o que fez nos últimos quatro anos o recomendam à gratidão popular. Parece-me que Passos Coelho tem algum crédito nessa matéria: com uma vontade inquebrantável, que resistiu a tudo, até aos arrufos irresponsáveis do parceiro de coligação, com uma visão singular no seu objecto – tirar o país da bancarrota –, fez tudo o que era necessário para dobrar este cabo das tormentas.

Outros oferecem um catálogo eloquente de esperanças variadas. Apostam na esperança que uma mudança operará, decorridos estes anos de chumbo do resgate; apontam as falhas no combate à bancarrota (e têm muita razão em muita coisa).

Tanto quanto me posso aperceber, não me enganei muito: à medida que os dias passam, torna-se mais evidente que a campanha gira em volta dos dois temas e que rodopia à volta da «coligação» e do «PS». O resto é folclore político.
Infelizmente para quem ache que podendo ter ambos razão (ou desrazão) lhes falta muito para merecer governar o país, estas constatações têm pouca valia.

Acresce que a campanha em «subcapa» tem outros dois temas: o medo do desconhecido, que é tantas vezes a pior forma de prisão da alma, medo propalado pela coligação, sem qualquer espécie de pudor; e o factor «Sócrates», esse estranhíssimo caso de prisão sem acusação, que indiscutivelmente marcou o mau desempenho do partido socialista.

Cruzaram-se aqui linhas que não podiam nem nunca deveriam ser cruzadas, ao serviço de agendas estranhas mas perceptíveis (no me creo em las brujas, pero que las hay, las hay…).

Não sou candidato a nada, nem cabe aqui fazer campanha a favor ou contra, mas tenho de confessar que, por mim, perdiam ambos: Passos, pelas reformas que não fez e que teve uma ocasião única de fazer, e pelo que fez nas privatizações e na venda consentida de activos nacionais insubstituíveis; Costa, porque se tem revelado incapaz de protagonizar uma esperança e uma vontade nacional credíveis.

Quanto ao resto das gentes que compõem cada um dos campos em disputa, nem vale a pena ir por aí: haverá sempre excepções mas, por grosso, não é gente a quem eu confie o meu futuro nem o dos meus filhos e ao votar num ou noutro, estarei a votar em mais umas centenas que na melhor das hipóteses desconheço, e na pior, conheço bem demais.

Se me perguntarem se quero votar, por exemplo, no segundo da lista da coligação em Lisboa, digo já que não; o terceiro, nem sei quem é.
Ah, como tudo seria diferente se esses cavalheiros e damas tivessem a coragem de se apresentar num círculo uninominal…

Em suma, domingo cada um fará a sua opção e votará em quem lhe parecer melhor, mas uma coisa é segura: depois do dia 4 tudo continuará na mesma, mas sem orçamento do Estado para 2016. Foram quatro anos e meio para chegar a isto!

Cheira-me também, que depois do dia 4 vamos ouvir muitas vezes que «para dançar o tango, são precisos dois». Preciso é ter presente que com a «europa» é mais um «ménage à trois»…
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado
ex-secretário de Estado da Justiça

NOTA: artigo publicado no jornal i.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

As sondagens "tutti fruti" e os resultados eleitorais

Sondagem diária TVI/Público/TSF, pela Intercampus

A novidade de várias tracking polls diárias ao longo desta campanha eleitoral e a apresentação simultânea de sondagens clássicas (como a da Eurosondagem para Expresso/SIC, no sábado passado) introduziram grande perplexidade e alguma confusão quer no cidadão comum, quer nos comentários e reacções ao longo da campanha.

Não tem sido caso para menos. Não foi só a discrepância nos valores apresentados pelos diferentes inquéritos, mas também - e sobretudo - a própria contradição nas tendências apresentadas: frequentemente, quando uma dava uns a descer, outra aparecia com esses a subir... E vice-versa. O que alimentou um clima de sondagens tutti fruti, sondagens praticamente para todos os gostos.

Porém, fosse por milagre, magia, contágio ou "ajeitamento", as tracking polls têm vindo a convergir nos resultados apresentados, estreitando a margem de diferenças entre contendores eleitorais, quanto àquelas que chegaram a apresentá-las muito pronunciadas. Hoje, os resultados não diferem muito: PàF entre 38% e 40%, PS entre 32% e 34%, CDU nos 8% a 10%, BE na casa dos 7%, os outros partidos a valerem entre 4% e 5%.

Sondagem diária RTP/JN, pelo CESOP/Univ. Católica - 28.set.2015

Sondagem diária Correio da Manhã, pela Aximage

Hoje à noite, estarei numa tertúlia com Pedro Magalhães, um reputado especialista destas artes. E está anunciada também uma grande sondagem Intercampus para TVI/Público/TSF, já com simulação de voto em urna. Verei se isso ajudará a esclarecer-me, sobretudo quando sondagens há (RTP e TVI) que ainda estão a apresentar uma fatia muito elevada de indecisos (valores acima de 20%) a apenas cinco dias das eleições.

O que parece estável é que a coligação PàF terá, a 4 de Outubro, um resultado acima do PS - e provavelmente folgado. Surpreende-me o espanto que isto tem gerado, sinal de pouca memória política e pouca atenção ao histórico do nosso sistema. Como já aqui escrevi há muito, Menos de 40% é sempre resultado medíocre para a coligação. Ora, leiam por favor esse post.

Na verdade, 40% é, historicamente, a "maré baixa" de PSD e CDS - quando perdem, normalmente perdem com esse score agregado; quando ganham, têm de ganhar com bem mais do que isso, isto é, com maioria absoluta parlamentar, que se obtém a partir de cerca de 45%.

Importa ter presente que PSD/CDS são a totalidade da "direita eleitoral"; e, portanto, ou alcançam a maioria absoluta, ou ficaremos submetidos a uma maioria de esquerda vencedora. PSD e CDS, coligados, têm "obrigação" de ficar sempre à frente do PS, pois para os socialistas, que repartem a "esquerda eleitoral" com dois actores relevantes (PCP e BE) e ainda numerosos pequenos partidos, é muito difícil (e raro) atingirem sequer os 40% e praticamente impossível chegarem à maioria absoluta, que só alcançaram uma vez.

Ora, o que as sondagens - e o ambiente geral - apontam é que o PS não está a ter qualquer sucesso na captação do voto útil de esquerda, sendo bem evidente a capacidade de resistência (e até de crescimento) dos PCP e BE, a que haverá que somar ainda os votos recolhidos por vários pequenos partidos. Há, aliás, muitas e boas razões para o PS não conseguir atrair e concentrar o voto de toda a esquerda: [1] a memória de Sócrates, que não é boa e pesa muito; [2] as maiores garantias que PCP e BE oferecem aos crentes e devotos do discurso "anti-austeritário"; [3] o histórico de acordos "centrais" do PS, gerando desconfiança à esquerda; [4] o caldo eurocrático com que o PS está também comprometido, diversamente dos pequenos partidos e de PCP e BE. Neste clima, creio que o PS poderia festejar se chegasse aos 35%, o resultado histórico de Mário Soares em 1976.

Numa estratégia de que discordo, a PàF tem evitado falar em maioria absoluta parlamentar.  E a verdade é que, a continuarem as coisas assim, poderá perder, ganhando ou parecer ganhar, perdendo. Por exemplo, se os resultados fossem como as sondagens indicaram ontem e hoje de manhã, esse seria o travo amargo de dia 4: PàF à frente, mas triunfo e prevalência da maioria de esquerda.

Os votos é que falarão, a 4 de Outubro. E se, de facto, os indecisos são ainda tantos e se são eles que decidirão, será interessante acompanhar como acabarão por decidir: se darão maioria parlamentar à PàF ou se manterão esta desenhada maioria de esquerda; e, se, havendo maioria de esquerda, darão mais peso ao PS ou deixá-lo-ão assim em lume brando, cercado ou ancorado em PCP, BE e outros.

Grande curiosidade também sobre os novos pequenos partidos (Nós, Cidadãos, JPP, Livre, Agir, PDR,...), que as sondagens têm sempre muita dificuldade em apanhar - lembremo-nos do que aconteceu com o MPT nas últimas eleições europeias. Não é provável que nem MPT, nem PDR repitam a proeza, mas será interessante ver se algum consegue furar o tenso clima de bipolarização aguda e pôr algum pé dentro do círculo dos lugares cativos do Palácio de São Bento.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Voltaram as «technicalities»

Os heróis do mar

O deficit das contas públicas em 2001 foi de 7,4%. Foi o ano em que chamamos a troika, com uma divida à roda dos 100% do PIB.

A questão da divida sobre o PIB é interessante: em 2011 não faziam parte do célebre «perímetro orçamental» as dívidas das empresas públicas, designadamente dos transportes. A adição desses monumentais buracos, mais os avales dados pelo Estado a variadas empresas, elevaram o rácio Divida / PIB para 111,1%.

Como é evidente, qualquer comparação deste número com o dos anos anteriores (designadamente 2004 e 2005) implicaria que a esses números fosse também aditado o novo «perímetro orçamental», contas que, evidentemente, os próceres do governo não fazem.

Mas o que verdadeiramente assusta são os números do deficit: acabamos de saber, que o deficit orçamental de 2014, previsto para ser de 4,5%, foi afinal de 7,2%.

Diz Passos que não é preocupante: trata-se de 4.900 milhões de euros a mais, que foram para o BES, dinheiro que está «a render», porque supostamente o Estado o vai recuperar.

É tudo mentira nesta frase. Na verdade:

  1. O Estado contribui com 3.900 milhões para o fundo de resolução e não 4.900 milhões, tendo saído 1.000 milhões do fundo de resolução financiado pelos bancos.
  2. É facto público e notório que a venda do Novo Banco não permitiu – porque não ocorreu – saldar esta divida, nem vai permitir, porque pura e simplesmente a forma de solução do problema BES começou por reduzir drasticamente o valor do Banco. Na melhor das hipóteses, o Estado arrecadará 1.000 a 2.000 milhões e, ainda assim, sabe Deus em que condições e quando.
  3. Mas, se o buraco do Novo Banco conta para o deficit e não é «preocupante», antes rendendo «juros», diz o Passos, então por que não aplicar o mesmo raciocínio aos orçamentos da era Sócrates e descontar os efeitos «conjunturais» do buraco BPN e do desemprego?
Estamos a entrar naquela fase a que Passos chama de «mestificação» total. As mentiras sucedem-se, mas o essencial fica; e o essencial é que, depois de 4 anos de brutais aumentos de impostos, estamos de regresso ao ponto de partida – deficit acima dos 7%!

O governo de Passos inventará todas as mentiras que entender inventar, «mestificará» como melhor souber, mas a verdade, verdadinha, é que, porque não fez a reforma do Estado, nem cortou na despesa estrutural, estamos na mesma como a lesma.

E, e, ainda vivemos à sombra dos cortes temporários de rendimentos e pensões, o que, como sabemos, não vai poder durar, sob pena de inconstitucionalidade. (chato!).

Quase dá vontade de rezar para que Passos e Portas (o PP) lá fiquem e sejam obrigados a comer o que vomitaram. Cavaco é que já cá não vai estar para partilhar o repasto…

Agora, juram-nos que o deficit de 2015 vai ser de 2,7% (2,7%!). Alguém acredita que não possa é ser o dobro?

Mas que grande bando de pândegos! e mentirosos, como o Sócrates...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Esta campanha eleitoral está a ser tudo menos campanha eleitoral


Não sendo adepto de futebóis, antes pelo contrário, logo alheado do que à maioria dos portugueses interessa, não parece que seja uma série de jogos a coincidir com o próximo dia 4 de Outubro que fará ainda mais aumentar a não votação. Será, antes, o desenlace de uma campanha eleitoral iniciada em Dezembro de 2014, totalmente desprovida de conteúdo.

De todos os lados o que “está a dar” é esperar que um do “outro lado” diga qualquer coisita, para depois o atacar; e isto é multiplicado ao limite dos não limites por toda a comunicação social, de imediato com esta a relatar ao vivo e a cores as respostas agressivas dos outros partidos. Atacando o que foi dito e nada propondo.

Para além do “foste tu, não fui”, a “culpa é sempre do outro”, “eu nem estava, nem vi”,  “eu faria melhor”, não se fala em projectos políticos, não se fala em mudar para melhor, em Pessoas sem nomes – sempre os mesmos – que abracem projectos, que façam a diferença positiva. A imperiosa necessidade de cada chefe e adjunto de cada Partido e Movimento ter que estar sempre a aparecer, nunca para dar ideias fazíveis, mas para criticar o partido/movimento ao lado, faz com que esta campanha seja um vazio de pensamento.

Falar em “ideais”, seria atirar “para cima da mesa” – como hoje se diz, está tudo em cima da mesa – algo que estes senhores e senhoras, chefes de fila dos partidos e movimentos, nem sabem de que se trata.

E sem brindes, sem esferográficas, sem sacos plásticos – que nesta altura dariam imenso jeito – é uma peregrinação dos mesmos com os mesmos, a dizer mal dos outros, e estes daqueles, tudo roda em cima dos umbigos dos que não querem perder visibilidade, não querem deixar de estar presentes, mesmo que se perceba, que unicamente querem estar “presentes”.

Talvez ao fim da noite se mirem ao espelho, se vejam nas televisões e fiquem felizes e contentes, para, no dia seguinte, fazerem mais do mesmo, com os mesmos.

Se, desde Dezembro de 2014, nada de útil foi dito, neste mês de Setembro de 2015 tiraram-se esqueletos dos armários unicamente para os lançar aos outros sem qualquer ideia de mudar, de construir, de fazer.

Cada um quer estar presente no telejornal das 20h00, nas primeiras páginas tão semelhantes de todos os jornais, quer mostrar-se, quer ser visto e aplaudido.

E para quem não gosta do futebol, como é o caso de quem escreve estas linhas, é indiferente quando possam ser os jogos. Para quem gosta, que será 99 % da nossa população, por certo se houvesse uma campanha de ideias, de verdadeiras propostas, não seria o jogo de futebol que iria aumentar a abstenção.

Assim, havendo abstenção a culpa não será dos Partidos e dos seus eternos Candidatos mas do Futebol e de outros Futebóis! Nunca dos próprios, sempre imaculados e acertados!

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
16 de Setembro de 2015

A teoria da agência e a democracia de qualidade

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Luís Mira Amaral, hoje saído no jornal i.

Os deputados não são nossos agentes, mas sim agentes dos directórios partidários! Por isso, a contínua degradação da qualidade dos deputados, que não têm, no fundo, ligação directa aos eleitores.


A teoria da agência e a democracia de qualidade

Na economia aprende-se a chamada teoria da agência. Nesta, os accionistas das empresas e, portanto, detentores do seu capital são chamados o principal, enquanto os gestores são agentes ao serviço do principal para gerirem a empresa. Como se compreende, nem sempre os interesses entre o principal e os agentes são convergentes, e a isso chama-se os custos de agência. Para evitar esses custos, tem-se tentado alinhar os interesses dos agentes com o principal e um dos exemplos mais referidos é a disponibilização aos gestores de um plano de stock options. A partir do momento em que eles exercem essas opções, tornam-se accionistas da empresa que gerem, e assim se pensava que, tornando-se accionistas, os interesses dos agentes se alinhavam com os do principal. Como tudo na vida, isto tem gerado efeitos perversos, acontecendo que muitas vezes os gestores empolam artificialmente os resultados das empresas, aumentando a sua valorização, aproveitando então para vender as acções com brutais mais-valias e acabando por lesar os accionistas…  
Esta teoria da agência aplicada ao Estado português dá o seguinte resultado teórico: 
– Nas legislativas, os eleitores votam nos deputados, sendo os eleitores accionistas do Portugal SA, o principal, e os deputados os seus agentes; 
– Os deputados, depois, escolhem o governo, sendo, pois, o parlamento o principal e o governo o seu agente; 
– O executivo gere então a máquina estatal, sendo então o principal, e a função pública o seu agente. 
Como a teoria das escolhas públicas mostra e esta longa cadeia de comando confirma, nem sempre os desejos dos accionistas do Portugal SA – os votantes nas legislativas – são executados fielmente pelos vários segmentos desta cadeia… 
Mas o que é facto é que, teoricamente, nós escolheríamos os deputados e estes é que escolheriam os governos. Na prática, nós votamos para escolher um primeiro-ministro e os directórios partidários é que escolhem os deputados, não tendo nós, eleitores, voto na matéria. 
No fundo, os deputados não são nossos agentes, mas sim agentes dos directórios partidários! 
Por isso, a contínua degradação da qualidade dos deputados, que não têm, no fundo, ligação directa aos eleitores nem são responsáveis perante eles… Saídas do parlamento, como vai acontecer com o dr. José Ribeiro e Castro e com o prof. Pedro Saraiva, distinto professor catedrático de Engenharia Química que, apesar de não ser da sua área de competências, fez um trabalho de grande qualidade no inquérito ao caso GES/BES, unanimemente reconhecido por todos os quadrantes, só confirmam que os directórios partidários não se preocupam com a qualidade dos deputados… 
Como o Manifesto para uma Democracia de Qualidade chamava a atenção, é preciso uma reforma do nosso sistema eleitoral, tornando possível uma escolha de deputados para a AR com acrescida participação dos eleitores e com formas mistas de eleição, designadamente com a possibilidade de candidatos independentes das estruturas partidárias se apresentarem, por decisão própria, a sufrágio em círculos uninominais, coisa que a actual Constituição já permitiria, assim aproximando e responsabilizando os deputados perante os eleitores. Só assim é que teremos deputados como verdadeiros agentes dos accionistas do Portugal SA, os eleitores portugueses, os quais passariam a ter qualidade e capacidade de fiscalização sobre o governo.
No fundo, só aplicando a teoria da agência é que nos aproximaremos duma democracia de qualidade!
Luís MIRA AMARAL
Engenheiro e economista
Professor universitário e gestor
Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Favas contadas


Olhando ao debate político, cabe lembrar que não há mais favas contadas do que estas. (Refiro-me às favas da fotografia.) 

Faltam 4 semanas e 2 dias para o dia das eleições.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Olhar o futuro – uma lição da Grécia antiga

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, hoje saído no jornal i.
O embaixador de Corcira foi breve e singelo no discurso. Esquecendo contenciosos antigos, limitou-se a justificar o pedido com um projecto de futuro.

Ágora de Atenas, na Antiguidade

Olhar o futuro – uma lição da Grécia antiga

Algures no século V a.C., as cidades gregas de Corinto e de Corcira, actual Corfu, enviaram embaixadas a Atenas a fim de obterem o apoio ateniense para a guerra que travavam entre si.

Atenas e Corcira eram cidades rivais, mantinham um longo historial de lutas e possuíam as duas mais poderosas armadas da Grécia antiga. Ao contrário, Atenas e Corinto eram, por essa altura, cidades amigas, e muitas vezes Corinto veio em apoio de Atenas nas batalhas com as cidades do Peloponeso ou da Grécia central.

Foram os embaixadores admitidos à ágora soberana de Atenas para expor os seus argumentos. O embaixador de Corcira foi breve e singelo no discurso. Esquecendo contenciosos antigos, limitou-se a justificar o pedido com um projecto de futuro: uma aliança entre as duas cidades tornava-as invencíveis. As duas poderosas frotas de guerra unidas dariam uma vantagem única a Atenas nas disputas, nomeadamente com Esparta, algo que Corinto nunca lhe poderia assegurar.

Por sua vez, o embaixador de Corinto fez um longo e solene discurso em que enfatizou a rivalidade entre Atenas e Corcira, enumerou os anos de guerra, e descreveu as batalhas e os sacrifícios que Corcira tinha infligido aos atenienses.

No fim, lembrando a generosidade da sua cidade no auxílio nunca negado a Atenas, apelou ao sentido de justiça e de gratidão dos atenienses e, assim, ao apoio a Corinto na guerra com Corcira.

Deixando os cidadãos na ágora de Atenas a deliberar sobre as propostas, passemos, 25 séculos depois, à ágora eleitoral portuguesa, em que os embaixadores dos diversos partidos políticos apresentam as suas propostas ao povo.

E o que se sente e vê e ouve são embaixadores de Corinto a várias vozes que, em vez de projectos de futuro, insistem nas guerras do passado. Apontam uns o caos que encontraram e outros a crise que os primeiros acentuaram; pedem uns a gratidão do povo pela obra feita na economia e no emprego, na preservação do Estado social e desestatização da economia, e outros pedem castigo pelos malefícios da governação, o definhamento dos serviços públicos, a emigração que empobrece o país.

Como se cada cidadão não sentisse e compreendesse o que foi e o que é, e não sentisse à sua maneira o passado e o presente, sem precisar de explicador que o convença.

Vinte e cinco séculos atrás, a assembleia ateniense votou a favor da proposta de Corcira. Esquecendo agravos dos inimigos e a generosidade dos aliados, a assembleia pragmaticamente escolheu a proposta que, de modo simples, lhes falava do futuro, não de promessas vãs, mas de um projecto de vitória bem alicerçado na força de uma aliança comum.

Também agora os cidadãos não votam e escolhem governos por se sentirem devedores pelo bem que estes lhes trouxeram ou por se sentirem credores, face aos agravos recebidos, que até são propensos a esquecer, como os atenienses não se sentiram gratos a Corinto pelo apoio prestado, nem vingativos em relação a Corcira pelos danos que suportaram, e o que pretendem é propostas sérias de futuro, justas e compreensíveis.

Como não as têm, os cidadãos participam cada vez menos na grande ágora eleitoral, cansados das sempre renovadas lutas do passado, de propostas demagógicas tantas vezes embrulhadas em brilhantes mas vazios power-points, revisíveis a cada semana, das reacções pueris a cada frase do rival. E ou os partidos olham em frente e trazem novas e consistentes propostas, simples e entendíveis, ou ficam condenados a arengar sozinhos sobre o passado e, enfim, a desaparecer.

Só olhando o futuro se pode avançar para uma democracia de qualidade.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Assim até dá gosto, ver a Justiça a funcionar!



O velho princípio do «quem tem cú, tem medo». O Ministério Público diz que agora está “reforçada a consolidação dos indícios” e, por isso, “diminui o perigo de perturbação do inquérito”, e vai daí e promoveu a redução da «pena» de prisão cautelar a José Sócrates a «pena» de prisão domiciliária.

A grande vantagem, do ponto de vista da Direcção-Geral das Prisões, é que deixam de alimentar, dar tecto e vestir o mais célebre preso do País, que agora passa a prender-se a ele próprio e a expensas suas.

Do ponto de vista da Justiça, a coisa consistirá a que, em prisão domiciliária e dentro de três meses solto, o preso deixará de ser notícia para os embaraçar com a falta de acusação.

Quando um dia, sabe Deus quando, finalmente promoverem uma acusação, ninguém os poderá acusar a eles de ter mantido o homem preso mais do que o «necessário».
Necessário para quê, perguntarão. Não, seguramente, para consolidar um inquérito que já tinha um ano à data da cadeia. Então, para quê?

Bom, objectivamente, para lixar a campanha socialista ao longo deste ano de 2015. Ora vistes? Com precisão milimétrica, soltam Sócrates quase no início da campanha eleitoral; o suficiente para mais uma vez afogar o PS na espuma deste caso. Coincidências…

Não sou socialista, nem votar neles, escusam de pensar. Combati José Sócrates quando ele era primeiro ministro, ou seja, quando se podiam ter evitado os erros e tragédias que nos conduziram à situação actual. Nessa altura, recordar-se-ão de como a «justiça» era mansa com Sócrates e tudo lhe passava em claro. Onde é que estavam os Carlos Alexandres?

Mas agora? Ai, agora, severidade máxima. Ajudou a tornar o ar mais respirável, dizem uns; a mim, cheira-me é a lixo. A sórdido estrume. Um dia, quando a poeira assentar, talvez a história de como uma eleição tentou ser ganha seja feita. É que eu, já vi este filme e detesto remakes.

Esperemos que, no fim disto tudo, Justiça seja feita, como soi dizer-se e que, das duas, uma: ou Sócrates vá para a cadeia cumprir a expiação de crimes que ainda desconhecemos, ou o Carlos Alexandre e o Rosário Teixeira vão para a cadeia expiar este.

Pessoalmente, conhecendo a Justiça portuguesa como conheço, suponho que nenhuma das duas hipóteses se vai verificar…

Ai! Adoro este ar tão respirável!

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Não, não é um boneco, é uma criança afogada! Morta no mar!

Aylan Kurdi

Uma criança de três anos “morta”, na primeira página dos jornais pelo Mundo e nos nossos, afogada nas águas turcas. Não é um boneco, com que as crianças “normais” brincam, é um ser humano, morto. Igual aos nossos filhos, aos nossos netos. E “isto” vende jornais, abre telejornais, mas não é uma ficção, não é uma telenovela, não é um concurso, é a realidade que nos assola e que fingimos não ver. Ou achamos ser uma telenovela. Não, não é!

E a União Europeia que é tudo menos união, deveria ter vergonha, e se não outorga de outra forma, que sejam as capitais europeias – dado que não é possível retirar os países da Europa – que decidam individualmente, e façam qualquer coisinha por esta tragédia. Claro que já temos muitas desgraças cá dentro, fome, sem-abrigo e desemprego, mas façamos mais por todos como Pessoas que são. E somos!

Deixemo-nos de dar aos animais de estimação, o que não damos a seres humanos, Pessoas, sem abrigo, de dentro e de fora – que fazem cocó nos jardins públicos. Claro que não se devem tratar mal os animais de estimação – nunca, mas há limites – e dê-se de comer a ser humanos, a Pessoas que morrem à fome. Não se desperdice um grão de arroz da nossa comida, uma migalha de pão, que faz tanta fala a estas Pessoas: Velhos, Crianças, Mulheres, Homens como nós, que morrem como nem animais ditos irracionais, devem morrer.

A Síria desfaz-se sem nada ligarmos, e apareceu o ISIS. A Líbia foi por nós ajudada a depor um Kadhafi, que tantos aqui na Europa admiraram e nada ficou lá. O Iraque foi decapitado pelo Bush com apoio de europeus, e não há culpas, nem culpados, mas há, esta tragédia!

Claro que não podemos deixar “entrar” tudo à balda cá dentro, mas não podemos fazer de conta, não podemos erguer muros de morte. Não podemos – não devemos – continuar a fazer o que tem sido feito nos últimos anos. E por muito que indigne muitos, a comparação volta aqui e agora, não criemos como há mais de 70 anos, de outra forma, campos de concentração, campos de morte, Auschwitz ao contrário, matando gente antes de a deixar entrar, em vez de a concentrar para matar.

Com as campanhas eleitorais, cá e não só, e até sem campanhas eleitorais, façamos todos “qualquer coisinha”, enquanto não nos embrutecemos, sem regeneração.

E façamos crescer a economia – de facto, que não aumentar o crédito para compra de automóveis e casas novas - para haver espaço com trabalho para todos.

Estando nesta Europa esfrangalhada a envelhecer, tratemos bem os nossos Velhos, muito melhor do que hoje tratamos, mas acolhamos jovens não os colocando em guetos, e façamos futuro com Pessoas, como Pessoas, e não façamos novelas, nem primeiras páginas de jornais e aberturas de telejornais com crianças, afogadas como se nada fosse connosco, e depois vamos dormir descansadamente!

Basta, tenhamos humanidade de facto. Ou estamos demasiado imbecilizados para já nem isto saber fazer?

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
3 de Setembro de 2015

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Tarefas cruciais para a sociedade civil


Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, hoje saído no jornal i.
No sistema eleitoral vigente não é dada a possibilidade a candidatos independentes das estruturas partidárias de entrarem para o hemiciclo por vontade expressa dos eleitores.

Deputado Vasco Cunha, actual presidente da Comissão de Agricultura e Mar,
onde fez destacado trabalho,
é um dos afastados das próximas listas eleitorais

Tarefas cruciais para a sociedade civil

Muito temos escrito nesta série de artigos sobre a importância de uma reforma do nosso sistema eleitoral, possibilitando uma selecção de deputados para a Assembleia da República com acrescida participação dos eleitores.

A sociedade civil não pode continuar a aceitar que as listas para deputados sejam elaboradas pelos directórios dos partidos em círculos distritais, nas quais os eleitores não têm nenhuma hipótese de priorização ou avaliação dos candidatos.

A figura do voto preferencial deve absolutamente ser inserida num círculo Nacional com candidatos apresentados pelos partidos políticos. No sistema eleitoral vigente também não é dada a possibilidade a candidatos independentes das estruturas partidárias de se apresentarem, por decisão própria, a sufrágio em círculos uninominais, e assim entrarem para o hemiciclo por vontade expressa também dos eleitores.

Atente-se em alguns aspectos bem revoltantes na gestão da elaboração das listagens de candidatos a deputados feita pelos directórios de alguns partidos para as próximas eleições legislativas. Verifica-se, de imediato, que foram retirados das listas de candidatos deputados de enorme valor. Não podendo mencionar obviamente todos, não quero deixar de referir aqui os importantes nomes de José Ribeiro e Castro, Teresa Anjinho, Altino Bessa, Rui Barreto, Pedro Saraiva, Paulo Mota Pinto, Carina Oliveira, João Lobo, Vasco Cunha e Pedro Lynce, entre outros.

Como é possível tal acontecer? Vamos, portanto, deixar de escutar as muito eloquentes intervenções de José Ribeiro e Castro, bem como de beneficiar da coerência e da coragem das suas posições e do dinamismo das suas iniciativas; e a Assembleia vai ser privada de um conjunto de deputados que fizeram exímios trabalhos nas comissões da especialidade, de que muitos destes foram presidentes, contribuindo para a elevada eficiência de tarefas relacionadas com processos bem complexos tratados na presente legislatura. O resultado não pode deixar de ser uma lamentável e importante redução da qualidade média dos deputados na Assembleia da República!

Os deputados acima referidos, e outros, claro, fazem parte de um conjunto de candidatos em que a sociedade civil, certamente, muito gostaria de poder votar e que, estou convicto, por sua vontade própria, integrariam círculos uninominais como candidatos dependentes ou independentes das estruturas partidárias. Aos eleitores caberia decidir qual o deputado mais votado em cada círculo uninominal, o qual entraria no hemiciclo.

Quantos terão sido afastados por não serem “Yes Men’’ (ou “Yes Women”) dos líderes parlamentares ou dos líderes partidários? Temo que muitos.

Com o sistema eleitoral em vigor lá vamos nós ter na Assembleia da República alguns deputados incompletamente integrados na nossa sociedade, que fomentam um não recomendável conflito intergeracional criticando a geração mais velha, a que chamam “peste grisalha’’, apontando que esses têm pensões e reformas elevadas. Uma acusação que não é verdadeira e é infame para aqueles que trabalharam muitos anos, pagaram elevadíssimos impostos, fizeram elevadíssimos descontos para a Segurança Social e viveram de uma forma tal que permitiu que os mais novos tivessem estudado e vivido com facilidades que os mais velhos nunca tiveram, e que disso muito se orgulham.

Registo o facto de os mais jovens poderem entrar no mercado de trabalho em média cinco anos mais cedo que os das gerações anteriores porque estes foram atrasados devido a várias perturbações nas universidades e outras escolas e pelo Processo Revolucionário em Curso, e, com muitíssimo mais impacto ainda, a grande maioria foi obrigada a combater nas ex-colónias, arriscando as vidas durante um período de pelo menos três anos, que lhes deixou, e às suas famílias, marcas profundas e impossíveis de avaliar por quem não participou nessa guerra colonial. Este assunto não pode ser hoje esquecido, embora os combates tenham terminado há cerca de 40 anos.

Para que se possam escolher os deputados de uma forma muito mais democrática escrevemos, há um ano, o Manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, que está cada vez mais actual, sendo, por conseguinte, a sua implementação cada vez mais premente.

Registo com muito interesse o facto de o eurodeputado Paulo Rangel ter feito referência, na Universidade de Verão do PSD, às grandes vantagens de sistemas eleitorais que seguem princípios idênticos aos descritos no nosso manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, assunto que iremos continuar a desenvolver de forma muito interessada. Considero também sintomático e muito encorajador o artigo escrito há um mês no “Expresso” pelo professor Marçal Grilo, assumindo posições semelhantes à do nosso manifesto. Não há dúvida: “O caminho faz-se caminhando”, como dizia o poeta.
Informações sobre a subscrição do nosso Manifesto, contactos e outras perguntas podem ser feitos através de porumademocraciadequalidade@gmail.com .
Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
NOTA: artigo publicado no jornal i.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Trovas ao vento que passa


Paulo Rangel: “Insisto. O ar é hoje bem mais respirável do que em 2009 e 2011.”


Ouvem o vento a passar na copa dos arvoredos? Não é um murmúrio, um perpassar, uma brisa; ele uiva e geme, retorce os ramos, atira para o ar folhas soltas, revolteia-as, dobra as árvores.

Ouve-se ao longe o repicar dos sinos, não daquelas badaladas suaves e compassadas que chamam ao dever dominical, mas aquele toque a rebate, ou a finados, que instila um vago alarme, instala um medo idiota, refrigera os ânimos.
 
Mal conheço o Paulo Rangel. Encontrei-o duas ou três vezes, uma delas num surpreendente debate pré-eleitoral, em 2005, em que lhe vi uma estranha animosidade contra o Governo que o tinha precedido, acusações vagas mas agressivas, que me impressionaram vindas do representante do partido com quem o CDS, de que eu então fazia parte, esteve coligado nesse governo.

Já na altura me pareceu que Paulo Rangel, fresco dos seus seis incipientes meses na Justiça, pensava que era dono dela, o único que podia dizer coisas pensadas e estruturadas… Recordo com particular acuidade o desprezo zeloso com que se referiu aos dois anos e meio de mandato que eu tinha desempenhado. Fiquei surpreendido.

Agora já não: vir alguém dizer – ele – que a Justiça tem hoje um alento e uma coragem que não tinha há quatro anos e meio, insinuando que este governo lhe propiciou o ambiente para que assim fosse, a ponto de prender um ex-primeiro ministro e deter o ex-mais-poderoso-banqueiro do País, já não me surpreende.

Faltava até saber quando é que o PSD (sobre essa matéria o CDS está e tem todo o interesse em estar calado) havia de trazer Sócrates para a campanha. Mas era inevitável que o fizesse. Rangel, paradoxalmente, é um dos mais bem equipados para o fazer: fala de fora, não sendo do Governo e aparenta saber do que fala, relacionando, do ponto de vista sociológico, a Justiça com o ambiente que a rodeia e com a exigência acrescida de prestação de contas que, segundo ele, o povo agora tem.

No entanto, devo dizer que a mim não me convenceu. Convencia-me se o caso BPN, por exemplo, estivesse a ter o devido tratamento; se certos tratantes, ladrões notórios que para aí andam, louvados como excelentes empresários pelo nosso Primeiro-Ministro, tivessem já sido detidos e estivessem a ser rapidamente julgados.

Convencia-me, se os estranhos fluxos financeiros a que deu azo a compra de dois submarinos tivessem sido devidamente investigados e se a visível fraude fiscal, e a mais do que evidente concussão com dinheiros públicos, tivesse merecido dessa Justiça mais do que um desabusado encolher de ombros.

Ao fim e ao cabo, há uma pergunta que me assombra: que estranhas comissões de 30 milhões de euros foram essas, que não constavam de qualquer factura, documento oficial ou contrato e podiam ser livremente distribuídas pelos supostos membros do clã Espirito Santo? Suspeitando toda a gente onde foi parar esse ou parte desse dinheiro, vejo aí uma, como dizer, modorra, inércia, desinteresse, estranhos.

A quantidade de casos estranhos, de desgovernos públicos, de falências fraudulentas que vão ficando para trás, sem que ninguém as investigue ou por elas se interesse, é surpreendente, e mais ainda quando contrastadas com o extraordinário caso Sócrates em que, a partir de indícios de grande generosidade de um amigo, se deduzem crimes horríveis mas inobjectivados, corrupções sabe Deus de quê, fraudes fiscais e lavagens de capitais devidamente acauteladas pelo RERT, como se este não tivesse existido.

Em casos em que há evidência, crime bem definido, imenso prejuízo para o erário público e para os contribuintes, parece não haver nem prova, nem suspeita, nem vontade. Em casos em que se fala de garrafas de vinho (Vistos Gold) ou da munificência de um amigo, zás, toda a severidade da Justiça se abate.

Está hoje o ar mais respirável, deste ponto de vista?

De facto, para quem goste do seu cheirinho a lixo e a enxofre, é capaz de estar. E a arbítrio, já agora…

Talvez convenha marcar esta palavra e introduzi-la no léxico da Justiça, em vez de citar Tito Lívio: «arbítrio». Não lhes faz medo? Então, nada vos faz medo. Porque a seguir assim, não quero nem saber do que se segue.