quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Onde está o centro?

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

O sistema actual não visa directamente a escolha do primeiro-ministro, embora a escolha deste esteja associada aos resultados dessa mesma votação.


Onde está o centro?

Nos últimos dois meses, o país tem assistido, entre o atónito e o perplexo, à discussão entre figuras partidárias, comentadores políticos de vários quadrantes e seus acólitos, sobre o significado dos resultados das eleições de 4 de Outubro p.p., e da legitimidade da constituição de um governo não liderado pelo partido mais votado. A questão sendo surpreendente não deixa de ser relevante, na medida em que parece revelar uma visão distorcida do que significa o sistema parlamentar em democracia.
Com efeito, um tal sistema assenta na escolha (eleição) de um conjunto de deputados (230 em Portugal) enquanto representantes dos cidadãos/eleitores, agrupados em círculos eleitorais. Embora os candidatos a deputados se apresentem em listas elaboradas pelos partidos concorrentes, o seu mandato é pessoal, restringindo-se a disciplina partidária à obrigatoriedade de votação em apenas algumas matérias - moções de censura, de rejeição e de confiança, aprovação do Orçamento de Estado e pouco mais. De igual modo, o sistema não visa directamente a escolha do primeiro-ministro, embora a escolha deste esteja associada aos resultados dessa mesma votação. Aliás, é precisamente  com vista à clarificação e maior transparência destas questões que um grupo de cidadãos  tornou público o manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade” .
Mas qual é, então, a mensagem que se retira da votação no passado dia 4 de Outubro? 
Parece incontestável que a principal conclusão dessa votação é a de que os cidadãos rejeitaram de forma  significativa a continuidade da coligação  PàF, não só porque lhe retiraram a maioria absoluta dos votantes, como tornaram maioritário  o grupo constituído  por abstencionistas e votos nulos (+de 50% ). É verdade que a Coligação recolheu o maior número de votos (38% dos votantes e cerca de 19% dos eleitores), mas tal não constitui, como é óbvio, votação suficiente para poder governar ... a menos que conseguisse o apoio (ou anuência) parlamentar para tal. Como sabemos, não foi isso que aconteceu, tendo acabado por tomar posse e entrar em funções um governo do PS, com o apoio parlamentar do BE e PCP. 
Por outro lado, o facto de a maioria dos eleitores ter decidido não votar nos partidos que participaram no acto eleitoral (na linha de tendência registada em anteriores eleições), significa, com grande verosimilhança, que não se identificam com as  propostas e práticas dos mesmos ... para não falar na desilusão resultante das políticas prosseguidas pela Coligação PàF, traduzida numa perda de votos de cerca de 700 mil eleitores. Igualmente admissível parece ser a conjectura de que a coligação entre o PSD e o CDS resultou num bloco político de cariz neoliberal (como vem sendo designada), mas de qualquer forma não identificável com a matriz social-democrata do anterior PSD. Significa isto, que uma grande maioria de votantes moderados, defensores da economia de mercado, mas com claras preocupações sociais, deixaram de ter um partido com que se identifiquem e os represente. 
Acresce que, como é visível nas actuais reacções dos cidadãos, uma significativa proporção destes, mostra-se entre o surpreendido e o descrente/assustado, com o actual acordo entre o PS e os partidos à sua esquerda, e pelo menos até há pouco, considerados como de protesto e não do “arco da governação”. 
Mas quais as implicações práticas de tudo isto? 
A curto prazo, tudo se reduz à posse de um governo, formado pelo segundo partido mais votado, com apoio maioritário no parlamento, após negociações e acordos firmados com os partidos à sua esquerda. Porém, parece óbvio que as repercussões a médio prazo deverão ser maiores e eventualmente bem mais profundas. 
Com efeito, do que precede resulta que os eleitores ao centro (no sentido anteriormente referido) não têm actualmente um partido com que se identifiquem e em que votar, razão que leva a perspectivar a necessidade de uma reestruturação partidária ... que represente e dê voz ao “Centro”. Com efeito, parece pouco verosímil que o país possa ter como configuração estável a actual situação partidária, configurada por dois blocos largamente divergentes: um de  direita de cariz neoliberal; outro à esquerda, de cariz socialista, mas agrupando visões distintas de socialismo - do radical e de Estado, ao de mercado; logo, demasiado abrangente, não conciliáveis e por isso não credível! 
É pois previsível - e até altamente desejável - que, a médio prazo e com vista a futuras eleições, ocorra uma reconfiguração partidária no país, de que resulte um verdadeiro partido reformista e de prática social-democrata, correspondendo aos anseios de grande parte do eleitorado e no qual os cidadãos se revejam e com o qual se identifiquem. Só assim será possível o país encontrar o rumo que há muito aguarda, e lhe permita finalmente a convergência com os países em cujo espaço se integra, bem como o nível de desenvolvimento sustentável e de esperança por que tanto anseiam! 
Se tal será possível com as actuais lideranças partidárias, ou se outros protagonistas terão de emergir, capazes de dar corpo a estas necessidades e anseios, é a grande questão que aqui deixamos à reflexão e consideração dos leitores.

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

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