terça-feira, 29 de setembro de 2015

As sondagens "tutti fruti" e os resultados eleitorais

Sondagem diária TVI/Público/TSF, pela Intercampus

A novidade de várias tracking polls diárias ao longo desta campanha eleitoral e a apresentação simultânea de sondagens clássicas (como a da Eurosondagem para Expresso/SIC, no sábado passado) introduziram grande perplexidade e alguma confusão quer no cidadão comum, quer nos comentários e reacções ao longo da campanha.

Não tem sido caso para menos. Não foi só a discrepância nos valores apresentados pelos diferentes inquéritos, mas também - e sobretudo - a própria contradição nas tendências apresentadas: frequentemente, quando uma dava uns a descer, outra aparecia com esses a subir... E vice-versa. O que alimentou um clima de sondagens tutti fruti, sondagens praticamente para todos os gostos.

Porém, fosse por milagre, magia, contágio ou "ajeitamento", as tracking polls têm vindo a convergir nos resultados apresentados, estreitando a margem de diferenças entre contendores eleitorais, quanto àquelas que chegaram a apresentá-las muito pronunciadas. Hoje, os resultados não diferem muito: PàF entre 38% e 40%, PS entre 32% e 34%, CDU nos 8% a 10%, BE na casa dos 7%, os outros partidos a valerem entre 4% e 5%.

Sondagem diária RTP/JN, pelo CESOP/Univ. Católica - 28.set.2015

Sondagem diária Correio da Manhã, pela Aximage

Hoje à noite, estarei numa tertúlia com Pedro Magalhães, um reputado especialista destas artes. E está anunciada também uma grande sondagem Intercampus para TVI/Público/TSF, já com simulação de voto em urna. Verei se isso ajudará a esclarecer-me, sobretudo quando sondagens há (RTP e TVI) que ainda estão a apresentar uma fatia muito elevada de indecisos (valores acima de 20%) a apenas cinco dias das eleições.

O que parece estável é que a coligação PàF terá, a 4 de Outubro, um resultado acima do PS - e provavelmente folgado. Surpreende-me o espanto que isto tem gerado, sinal de pouca memória política e pouca atenção ao histórico do nosso sistema. Como já aqui escrevi há muito, Menos de 40% é sempre resultado medíocre para a coligação. Ora, leiam por favor esse post.

Na verdade, 40% é, historicamente, a "maré baixa" de PSD e CDS - quando perdem, normalmente perdem com esse score agregado; quando ganham, têm de ganhar com bem mais do que isso, isto é, com maioria absoluta parlamentar, que se obtém a partir de cerca de 45%.

Importa ter presente que PSD/CDS são a totalidade da "direita eleitoral"; e, portanto, ou alcançam a maioria absoluta, ou ficaremos submetidos a uma maioria de esquerda vencedora. PSD e CDS, coligados, têm "obrigação" de ficar sempre à frente do PS, pois para os socialistas, que repartem a "esquerda eleitoral" com dois actores relevantes (PCP e BE) e ainda numerosos pequenos partidos, é muito difícil (e raro) atingirem sequer os 40% e praticamente impossível chegarem à maioria absoluta, que só alcançaram uma vez.

Ora, o que as sondagens - e o ambiente geral - apontam é que o PS não está a ter qualquer sucesso na captação do voto útil de esquerda, sendo bem evidente a capacidade de resistência (e até de crescimento) dos PCP e BE, a que haverá que somar ainda os votos recolhidos por vários pequenos partidos. Há, aliás, muitas e boas razões para o PS não conseguir atrair e concentrar o voto de toda a esquerda: [1] a memória de Sócrates, que não é boa e pesa muito; [2] as maiores garantias que PCP e BE oferecem aos crentes e devotos do discurso "anti-austeritário"; [3] o histórico de acordos "centrais" do PS, gerando desconfiança à esquerda; [4] o caldo eurocrático com que o PS está também comprometido, diversamente dos pequenos partidos e de PCP e BE. Neste clima, creio que o PS poderia festejar se chegasse aos 35%, o resultado histórico de Mário Soares em 1976.

Numa estratégia de que discordo, a PàF tem evitado falar em maioria absoluta parlamentar.  E a verdade é que, a continuarem as coisas assim, poderá perder, ganhando ou parecer ganhar, perdendo. Por exemplo, se os resultados fossem como as sondagens indicaram ontem e hoje de manhã, esse seria o travo amargo de dia 4: PàF à frente, mas triunfo e prevalência da maioria de esquerda.

Os votos é que falarão, a 4 de Outubro. E se, de facto, os indecisos são ainda tantos e se são eles que decidirão, será interessante acompanhar como acabarão por decidir: se darão maioria parlamentar à PàF ou se manterão esta desenhada maioria de esquerda; e, se, havendo maioria de esquerda, darão mais peso ao PS ou deixá-lo-ão assim em lume brando, cercado ou ancorado em PCP, BE e outros.

Grande curiosidade também sobre os novos pequenos partidos (Nós, Cidadãos, JPP, Livre, Agir, PDR,...), que as sondagens têm sempre muita dificuldade em apanhar - lembremo-nos do que aconteceu com o MPT nas últimas eleições europeias. Não é provável que nem MPT, nem PDR repitam a proeza, mas será interessante ver se algum consegue furar o tenso clima de bipolarização aguda e pôr algum pé dentro do círculo dos lugares cativos do Palácio de São Bento.

1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Sem dúvida:

- apontam é que o PS não está a ter qualquer sucesso na captação do voto útil de esquerda, sendo bem evidente a capacidade de resistência (e até de crescimento) dos PCP e BE, a que haverá que somar ainda os votos recolhidos por vários pequenos partidos.
- Neste clima, creio que o PS poderia festejar se chegasse aos 35%, o resultado histórico de Mário Soares em 1976.