quarta-feira, 22 de abril de 2015

Cada cavadela, minhoca!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.

Foi mais uma eleição, foi mais uma prova. Depois das autárquicas de 2013 e das europeias de 2014, foi a vez das regionais madeirenses de 2015.



Cada cavadela, minhoca!
Os sinais de desagregação do sistema político continuam, perante a soberana indiferença dos titulares do poder.

O ano abrira com dois novos partidos: o JPP, Juntos pelo Povo, e o PDR, Partido Democrático Republicano, de Marinho Pinto. Recentemente, mais dois apresentaram-se a registo no Tribunal Constitucional: o Nós, Cidadãos, um projecto em desenvolvimento há meses, e o surpreendente PURP, Partido Unido de Reformados e Pensionistas, que não pode deixar de ser visto como consequência directa da fractura geracional promovida a partir do poder político – ainda estamos para ver todos os efeitos desse disparate na coesão social e política do país.

Quatro novos partidos em quatro meses são sinal claro do fervilhar na base da sociedade. Mas o sinal mais eloquente veio das eleições regionais na Madeira, em 29 de Março.
Eram eleições de rara importância: Alberto João Jardim, que dominou a política madeirense desde que assumiu a presidência do governo regional, em 1978, e que ganhara tudo o que havia para ganhar, com sucessivas maiorias absolutas, retirava-se da vida política. Eram eleições abertas, como não havia há quase 40 anos.

Seria de esperar grande mobilização eleitoral, extraordinária afluência às urnas. Ia começar um novo ciclo de poder e escolher-se o novo senhor ou a ausência de senhorio. Nada disso! A abstenção foi esmagadora. Os madeirenses, em primeiro, votaram com os pés – e afastaram-se das mesas de voto.

Mais de 50% não foram votar – os votantes ficaram pelos 49,7%. Nas primeiras eleições regionais, em 1976, a abstenção foi de 25%; agora foi o dobro. Nas primeiras eleições regionais com Jardim, em 1980, a abstenção foi de 19%; agora, 2,5 vezes mais.

Existe a ideia de que, quanto mais próximos os órgãos de poder e os políticos a eleger, maior é a participação eleitoral. Foi ao contrário: nas legislativas de 2011 a abstenção do eleitorado madeirense fora de 45,7%; agora, 5 pontos mais.

Os dois partidos mais votados, PSD e CDS-PP, perderam, cada um, 4 pontos percentuais face às regionais anteriores. O PSD baixou 15 mil votantes e o CDS-PP 8500. O Partido Socialista, que se coligou com este mundo e o outro para tentar ao menos recuperar o segundo lugar, levou para contar: no conjunto dos coligados, perdeu 11 pontos percentuais e conseguiu recolher menos 2500 votos do que o PS sozinho há quatro anos! É obra! No conjunto, os coligados perderam 18 500 votos, mais do que colheram agora. O PSD perdeu um deputado, o CDS-PP perdeu dois e PS & Companheiros perderam cinco.

A estas eleições regionais concorreram mais cinco partidos do que em 2011. Dir-se-ia que haveria mais participação. Foi ao contrário: houve mais por onde escolher, mas foram menos os que votaram. Os madeirenses não quiseram saber: num universo eleitoral de 250 mil inscritos, houve mais 20 mil abstencionistas do que há quatro anos.
Os votos brancos e nulos subiram de 2,7% para 4,3%, uma subida semelhante às da CDU e do BE.

A estrela do dia foi o estreante JPP-Juntos Pelo Povo, que ultrapassou 10% dos votos e elegeu cinco dos deputados em disputa. Um fenómeno político local lançado pelos irmãos Sousa (Élio e Filipe), depois de ter ganho a Câmara Municipal de Santa Cruz em 2013, regista-se como partido político nacional e conquista logo a posição de quarto partido regional, quase ultrapassando o PS.

Não é só bate-papo de comentador, boca de jornalista ou discurso de analista, encartado ou de ocasião. Foi mais uma eleição, foi mais uma prova. Depois das autárquicas de 2013 e das europeias de 2014, foi a vez das regionais madeirenses de 2015. Cada cavadela, minhoca! Os sinais de crise do sistema representativo estão lá todos: quebras acentuadas nos partidos do sistema, fragmentação partidária e do voto, baixíssima participação eleitoral, sucesso instantâneo de fenómenos novos.

Está na hora de uma reforma significativa do sistema eleitoral. Não qualquer uma, mas a reforma que restitua confiança nos eleitos, devolvendo-nos uma democracia realmente representativa. Uma reforma como aquela que é proposta pelo Manifesto “Por uma democracia de qualidade”: uma reforma que, graças à intervenção decisiva dos eleitores, force os partidos a mudarem de vida, a abrirem-se genuinamente na participação interna e a melhorarem métodos de funcionamento e escolha. Uma reforma que conduza naturalmente os partidos a reconstruírem os elos de confiança e efectiva representatividade com as suas bases e o eleitorado em geral.

Só há duas alternativas à reforma do sistema eleitoral com maior personalização e responsabilização dos mandatos: uma é o pântano, outra a implosão. Venha a reforma, portanto.


José RIBEIRO E CASTRO
Advogado, Deputado
NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Os oligopólios e a qualidade da democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
A sociedade portuguesa enfrenta, pois, com a gestão das empresas oligopolistas, um dilema que põe à prova a qualidade da nossa democracia.

Os oligopólios e a qualidade da democracia 
Os oligopólios são constituídos pelas empresas que têm condições para prosperar fora da competitividade aberta ditada pelas "leis do mercado".

E isso pode acontecer quer pelas características intrínsecas dos sectores em que actuam, quer pela forma como o poder político estabelece regras que definem a actuação e o sucesso desses oligopólios.

Estes sectores estão, pois, nos antípodas das empresas de bens transaccionáveis que têm de "lutar para sobreviver", quer no mercado interno quer no mercado externo. Mas são exactamente estas empresas habituadas a sobreviver em mercado aberto, conquistando os clientes exclusivamente pelas qualidades e pelo preço dos bens e serviços que vendem, que criam os empregos economicamente sustentáveis e que foram decisivas para salvar a economia portuguesa quando, no auge da crise da "catastroika", em 2012 e 2013, muitos vaticinavam uma "espiral recessiva imparável".

Num país de pequena dimensão como Portugal, e que, além disso, tem um Estado muito antigo e psicologicamente muito forte, os sectores oligopolistas adquiriram, nos últimos 15 anos, um peso crescente.

E isto é tanto mais curioso quanto se registou neste período um processo de privatizações destinado a "diminuir o peso do Estado na economia".

Só que, em termos estratégicos, não foi nada disso que aconteceu nos 15 anos que antecederam o pedido de assistência financeira à troika, feito em Maio de 2011 pelo anterior governo socialista de José Sócrates.

Pelo contrário, nesse período de 15 anos, foram os sectores dos bens não transaccionáveis que mais beneficiaram com o aumento de recursos financeiros disponíveis, proporcionado pela entrada de Portugal na moeda única, o euro.

A sociedade portuguesa enfrenta, pois, com a gestão das empresas oligopolistas, um dilema que põe à prova a qualidade da nossa democracia.

Por um lado, as empresas públicas que beneficiam de um monopólio/oligopólio natural são, em regra, ineficientes e consumidoras de recursos. Veja-se, por exemplo, o caso dos caminhos-de-ferro, em que os sindicatos "dominam" a gestão estratégica das empresas de forma a proteger "os direitos adquiridos" dos trabalhadores já instalados e a inviabilizarem qualquer forma de aplicação de uma moderna gestão competitiva, valendo-se para isso do recurso frequente às greves, cujo sucesso é facilitado por os comboios terem de "circular nos carris" e, assim, apenas um comboio parado poder bloquear toda uma linha.

Mas, por outro lado, um oligopólio privado só contribui de uma forma verdadeiramente eficiente para o conjunto da economia se o poder político tiver qualidade, isenção e independência para aplicar as regras que o obriguem a adquirir uma eficiência idêntica à que "seria obrigado a ter se funcionasse em mercado aberto".

É certo que muitos em Portugal acreditaram que os reguladores independentes seriam capazes, só por si, de desempenhar esse papel.

Mas a experiência destes últimos 15 anos em sectores tão diferentes como a energia e a banca revela bem que os reguladores independentes, só por si, não são capazes de impor esse paradigma. Como no caso da electricidade, em que a ERSE foi totalmente incapaz de impedir o completo desastre provocado nas tarifas eléctricas pelo apoio do Estado à instalação descontrolada das eólicas intermitentes .

E a experiência dos factos demonstra também, e infelizmente de forma muito concreta, que existe o risco de captura de alguns decisores políticos pelo poder económico e social que os oligopólios tendem a conferir a quem os controla.

Assim, só uma melhoria do nosso sistema político e da qualidade da nossa democracia pode vir a assegurar que os oligopólios sejam postos ao serviço da competitividade da economia portuguesa, no seu conjunto.

E essa maior qualidade do sistema político passa obrigatoriamente, também neste caso, por um maior grau de intervenção dos cidadãos na escolha personalizada de deputados, distinguindo aqueles que tenham demonstrado no respectivo currículo a competência, a isenção, a seriedade e a coragem que possam ser aplicadas na avaliação rigorosa do funcionamento dos oligopólios, tanto públicos como privados.
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Je m’accuse

Enforquem-me já!

Em Abril de 2002, entrei para o Governo, como Secretário de Estado da Justiça.

Dias depois, precisei de tratar do meu passaporte diplomático e para isso precisava do bilhete de identidade. Verifiquei então que o meu BI estava caducado…

Não tem mal nenhum: veio ao meu gabinete uma simpática menina dos serviços de identificação e fez as diligências necessárias (incluindo a colheita de impressões digitais) para emissão de um novo BI.

Uns dias, depois recebi-o novinho e refulgente. Agora fico a saber que a coisa é crime de abuso de poder! Nem sei se António Figueiredo não era já Director-Geral dos Registos e Notariado. Será que já estava sob escuta?

Desculpem o plebeísmo, mas «ora, porra!»

Justicialismo bacoco e crimes diversos


«Cunha de Relvas a António Figueiredo apanhada em escutas
Miguel Relvas usou a sua influência como ministro para resolver assuntos pessoais. Para receber em mão um documento para a própria mulher, só precisou de ligar ao então presidente do Instituto de Registos e Notariado e esperar duas horas.»
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/cunha-de-relvas-a-antonio-figueiredo-apanhada-em-escutas=f919252#ixzz3WvpWSYzs

Estamos a entrar no justicialismo mais bacoco e asfixiante possível. Mas noticias destas, dadas em grande destaque, deviam dar que pensar.

Para já, Miguel Relvas demitiu-se do Governo a 3 ou 4 de Abril de 2013. Os despachos do Ministérios do Negócios Estrangeiros e Administração Interna a operacionalizar os vistos gold são de 28 de Janeiro de 2013.

De acordo com a notícia saída no Expresso online, Miguel Relvas, Ministro, meteu uma cunha ao Director-Geral dos Registos e Notariado, para obter para a esposa um certificado de registo criminal.

Ou seja, antes de Abril. Ficámos portanto a saber que um ou dois meses depois da entrada em vigor da legislação dos vistos gold, António Figueiredo JÁ estava sob escuta. Dá que pensar, ou não?

Quem tomou a decisão de o pôr sob escuta e porquê? Havia algum processo de inquérito aberto?

Ou – aterrorizador “ou” – «alguém» decidiu pô-lo sob escuta preventivamente, a ver se vinha algum peixe à rede?

Já nem falo da qualidade da escuta, em que um Ministro em funções é escutado a pedir um favor inocente e que não tem nada de ilegal ou ilegítimo; já nem falo no abuso inqualificável, que esse sim, é crime, de «alguém» ter passado para a imprensa esta e outras «notícias» que não são, nem querem dizer nada, mas que, assim desgarradas, parece que incriminam gente; do que aqui quero falar é dessa coisa asfixiante que consiste em pôr sob escuta um Director-Geral sem que contra ele exista nada, nem nenhum processo aberto.

Notem que já esta semana veio a lume outra noticia que dá conta de uma conversa entre António Figueiredo e Vaz das Neves, Presidente do Tribunal da Relação. Ou seja, há quem ande por aí a fazer «cócó» aos bocadinhos e a deixar as respectivas fezes por todo o lado. Com que intuito?

Até agora, no caso dos vistos gold só ouvi falar de umas garrafas de vinho e de uns bilhetes para uns jogos de futebol. Será que…? Pois, é que se vamos por aí, o desfecho final já sabemos qual é.

Emito aqui a minha opinião: cheira-me que a «Justiça» portuguesa vai necessitar de uma vassourada tão valente que não vai ficar pedra sobre pedra. 

Depois queixem-se, mas eu acho que os principais criminosos – os que estão a dar cabo do que sobra de credibilidade da Justiça – são os juízes, os procuradores e os jornalistas que trazem – ou os trazem a eles – pela trela. 

Lamento se parece forte, mas acho que só peca por defeito.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

A grande degenerescência

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, hoje saído no jornal i.

A “democracia” em que vivemos é um sistema ecológico complexo e interdependente: as instituições que a fundamentam determinam, mais do que o clima ou a geografia, os resultados alcançados. É por isso que neste Estado estacionário em que vivemos, caracterizado por um sistema social regressivo e pela capacidade das elites de capturarem em seu benefício o sistema legal e a administração pública, é essencial assegurar que, ao menos, as instituições instrumentais da democracia funcionem de forma adequada.

A grande degenerescência 

Niall Ferguson, um historiador económico e pensador político inglês, escreveu um livro em 2012, cuja tradução em português seria “A Grande Degenerescência”, que basicamente sustenta a tese de que os países ocidentais atingiram um estádio de “Estados estacionários”.

Ele explica-nos o que é um Estado estacionário: trata-se da condição em que se encontra um país que já foi próspero quando pára de crescer.

As suas características são o carácter social regressivo e a capacidade de elites corruptas e monopolistas de explorarem o sistema legal e a administração pública em seu favor. 
Vivemos, de facto, num “Estado estacionário” cujas leis e instituições degeneraram ao ponto de permitir que elites rentistas dominem o processo económico e político, e em que a sociedade civil vacila entre um Estado incapaz e demasiado grande e interesses corporativos poderosos.

Temos assistido a dois fenómenos convergentes que são, por um lado, a progressiva diminuição da capacidade do Estado para controlar os poderes privados, muito por via daquilo a que chamamos globalização, e, por outro lado, a emergência de uma desigualdade social crescente, em que elites poderosas que capturaram o Estado enriquecem cada vez mais e se distanciam progressivamente da massa da população, que labuta para comer.

É muito de notar que um número importante de pensadores modernos se dedicam cada vez mais ao estudo e análise da questão da desigualdade.

Todos eles concordam que a desigualdade excessiva está moralmente errada e é economicamente errada por ser prejudicial ao crescimento económico.

Não são só pensadores e economistas de esquerda, como Thomas Piketty, ou de centro-esquerda, como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz. Também, como referi, pensadores liberais e de centro, como Niall Ferguson, se preocupam cada vez mais com este tema que, provavelmente, será a nova fronteira da democracia ocidental.

Esta falência do sistema democrático, esta incapacidade do Estado liberal de direito para resolver de forma justa os conflitos de interesses dos seus vários extractos sociais, resulta de uma falência institucional e da forma como determinadas elites rentistas capturaram em seu benefício as instituições do Estado.

É de uma falência institucional que se trata.

A “democracia” em que vivemos é um sistema ecológico complexo e interdependente: as instituições que a fundamentam determinam, mais do que o clima ou a geografia, os resultados alcançados. É por isso que neste Estado estacionário em que vivemos, caracterizado por um sistema social regressivo e pela capacidade das elites de capturarem em seu benefício o sistema legal e a administração pública, é essencial assegurar que, ao menos, as instituições instrumentais da democracia funcionem de forma adequada.

Quando falamos em democracia, estamos a falar de um conjunto interdependente de instituições que incluem cidadãos a pôr o seu boletim de voto na urna, claro, e candidatos a fazer comícios e debates, bem entendido;

Mas, tão importante como isto, são as formas de escolha dos candidatos: quando a escolha se transforma no apanágio exclusivo dos partidos políticos;

Quando os partidos políticos convergem todos para um “consenso” político-económico em que os cidadãos saem da equação e são substituídos por abstracções como o défice ou a dívida pública – e notem que são abstracções muito importantes, mas apenas porque são importantes para o bem-estar da sociedade, e não porque sejam fundamentais para o bem-estar dos mercados financeiros;

Quando os Estados escolhem aumentar brutalmente os impostos sobre o trabalho e reduzir na mesma proporção os impostos sobre os lucros empresariais, e todos os partidos políticos do “arco da governação” convergem na concordância com estas medidas;

Podemos ter por seguro que as escolhas de candidatos são retiradas por inteiro do âmbito da sociedade civil, que esses candidatos deveriam representar, e passam na íntegra para o âmbito muito restrito de directórios partidários enfeudados e controlados por poderes instituídos, que ninguém elegeu e ninguém controla.

Para quem tenha dúvidas de que é assim, basta observar o que se passou, ao longo de muitos anos, com grupos empresariais como o Espírito Santo, que controlava empresas como a PT, interligava os seus interesses com os do banco público Caixa Geral de Depósitos, punha a sua gente no governo e controlava a alta administração;

Ou os interesses rentistas do sector eléctrico que, em detrimento da capacidade competitiva nacional, mantêm integralmente e de forma férrea uma estrutura de protecção pública e um permanente jorrar de dinheiros públicos – nossos – em seu benefício.

Vejam como grandes grupos empresariais manipularam o Estado em seu benefício, comprometendo as finanças públicas por décadas em parcerias público-privadas altamente detrimentais do interesse público. E não pararam! Continuam e somam alegrias…

Tudo isto apesar das melhores intenções do actual governo e das juras de reforma que foram feitas aos nossos credores externos.

Dá que pensar… Esta matéria é transversal a todos os governos de Portugal, quer se proclamem socialistas, quer se proclamem social-democratas ou democratas cristãos.

E dá que pensar que, cada vez que se procura aumentar a capacidade competitiva da economia portuguesa, se pense, antes do mais, na desvalorização nominal de rendimentos e salários de quem trabalha, no aumento da TSU, e nunca, ou só em última análise, na redução desses benefícios extravagantes e ilegítimos.

Eu não sou de esquerda. Sou um cidadão português empenhado no bem público e verifico que a forma de escolha dos nossos representantes na esfera política alguma coisa há-de ter que ver com o resultado da acção do Estado português. É por isso que sufrago e defendo uma mudança, se não estrutural, ao menos parcial da forma de escolha dos deputados da República, que possa permitir à sociedade civil aceder a alguma capacidade de influenciar as escolhas. É disso que trata o Manifesto por uma Democracia de Qualidade.

Propomos manter os equilíbrios fundamentais do sistema partidário, manter a proporcionalidade na escolha, garantir que os partidos políticos, que são essenciais à democracia, mantêm uma boa parte dos seus privilégios institucionais, mas insistimos que a capacidade de escolha dos cidadãos seja alargada, que os candidatos possam ser joeirados pelos eleitores e até, atrevo-me a dizer, que candidatos independentes se possam candidatar à eleição em círculos uninominais.

Não é nenhuma revolução que propomos, é uma mera adaptação de um sistema que, há 40 anos, parecia bom, mas hoje está caduco, sobre o qual já foram feitas inúmeras discussões e havendo múltiplos estudos. Só falta mesmo MUDAR.

João Luís MOTA CAMPOS

PMCM - Advogados



sexta-feira, 3 de abril de 2015

Ser jovem tem vantagens, mas não é tudo


Ser jovem tem bastantes vantagens, comparativamente a ser velho. Tem-se mais resistência, tem-se mais futuro, tem-se mais vida, é-se mais bonito, tem-se mais força. Ser jovem “é ser”, ser velho é “ter sido”.

Mas não se chega a velho sem ter sido jovem; e, se quando se está velho se assume a condição não com lamúria, mas como a realidade, e não com desprezo pelos outros ou superioridade mas unicamente como se é, é uma verdade e uma vantagem. Também algo de útil há em velho ser, já ter muita “vida, vivida”!

Enquanto, ser jovem é motivo de orgulho por tudo o que atrás foi referido, mas deveria ser também e até de respeito pelos velhos entre si e pelos jovens para consigo. Como é evidente, não está a ser.

Se muitos velhos se põem a jeito para quererem ser o centro do que já não são, outros estão na velhice com tanta sobriedade que é vergonhoso como demasiadas vezes são maltratados pelos mais jovens.

E tantos que, em cerimónias, até religiosas, defendem ou mostram-se como defensores da solidariedade, da continuidade na vida, na prática no dia a dia , na família desrespeitam o que – unicamente – ostentam respeitar.

Claro que os jovens têm mais força. Claro que os jovens têm mais tempo de vida que os velhos, já tiveram. Claro que o futuro é dos jovens e nunca dos velhos. Mas aniquilar velhos mesmo que não fisicamente, antes deixando-os por cá andar, mas não os deixando decentemente viver, é o que está a ser feito com demasiada frequência, e com muitos imitadores.

E claro que se se “cultivar” numa criança o “não respeito”, a “não consideração” pelos seus mais velhos, elas não “a” terá. E isso está a acontecer com demasiada frequência.

Claro que velhos há que não merecem respeito, por não o terem e nunca o terem tido, que não consigo próprios, mas decerto que não são a maioria. E, se grande parte dos jovens assume que deve maltratar os velhos, claro que estes, no mínimo, ficam à defesa em qualquer aproximação aos mais jovens. E dividir tudo em fatias para reinar não resulta, mas demasiados jovens o fazem e outros estão a ser preparados para assim, actuarem. E não ter passado, parecer que se nasceu só de pai e mãe, nada mais de interesse havendo para trás, é muitíssimo pouco e muito sem conteúdo, mas está por demasiado a acontecer e a adoecer a sociedade com um todo, e por certo que maus frutos serão colhidos a curto prazo por quem os está a semear.



Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
29 de Março de 2015

Se não houver respeito pelos velhos, pelo que haverá?


Começando por referir que muitos velhos com o “envelhecer” se tornam uns maçadores, vacilando entre “no meu tempo é que era bom, hoje é tudo mau, “ ou “hoje é que é bom, antes tivesse vivido neste tempo”, e arrumam fora de tempo o tempo que viveram, haverá que se fazer um equilíbrio. Sendo que evidentemente o futuro é do jovens, e são estes que para esse futuro, se devem preparar. Mas devem-se preparar, uma vez que ainda o não estão e por isso são jovens.

Tem-se feito uma apologia dos jovens, não pelos jovens como jovens, mas contra os velhos, dando-se a impressão de que várias gerações não podem viver em conjunto, no mesmo tempo e no mesmo espaço. E a forma mais simplista e desastrosa de o fazer é anulando gerações, e evidentemente a mais velha, vai “fora”. Não prestam, estão desactualizados, tomam muitos medicamentos, gastam muito dinheiro, não servem.

E vai-se implicitamente perdendo a solidariedade, o respeito, a interligação entre as diversas pessoas que formam a vida. E como os jovens de hoje, apesar de acharem que não, vão chegar a velhos, chegará o seu tempo de serem deitados fora pelos – então - mais jovens.

Mas, entretanto preparam-se o pior possível estes jovens e estas crianças para (des)respeitarem os mais velhos. Claro que há velhos que não merecem ser respeitados, mas não por serem mais velhos, mas por serem uns convencidos, uns egocêntricos, uns egoístas, algo que se pode agudizar com a velhice, mas não é uma prerrogativa dos velhos, é-o de muitas pessoas, independentemente da idade.

E vão-se criando fossos propositados entre netos e avós, via geração intermédia, que é as dos pais/mães,  a não ser que estes precisem para sobreviver do dinheiro dos seus pais e aí suportam-nos, não por humanismo e reconhecimento, mas interesses.

Esta quebra de solidariedade intergeracional é muito grave, já aconteceu por várias vezes desde que a humanidade é humanidade e aporta maus resultados. Está hoje a acontecer, uma vez mais. E hoje mais as mulheres que os homens apostam em não querer receber “conselhos que nunca ordens dos mais velhos” e incutem nos seus mais jovens o não respeito pelos velhos. 

Claro que é péssimo, ainda em vida para os velhos - mais ou menos entrados na idade -, mas será para as próprias, quando os filhos não tiverem regras que os conduzam em sociedade e os mais velhos ou menos jovens que encontrem pela frente sejam os próprios Pais/Mães e os desrespeitem com todo o entusiasmo, dado assim terem sido ensinados. E terem visto o exemplo!

Será ainda mais grave, já o sendo hoje, quando se não verifica a solidariedade tão necessária entre netos para avós, entre jovens e mais velhos, com o incentivo a que assim continue e, até, piore. Nada disto acontece por acaso, nada disto acontece pela primeira vez entre humanos e vai ser grave o que daqui advirá, mas parece que todos têm que experimentar para depois se arrependerem, talvez tardiamente.

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
29 de Março de 2015

Mas há mais...

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Luís Campos e Cunha, hoje saído no jornal i.

Será que alguém escolhe o cirurgião por ser o mais barato ou por pensar que é o melhor? Ou como se escolhe quem vai pintar as paredes lá em casa?

Mas há mais...

A reforma do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos são os dois pilares da reforma do sistema político. Mas há mais.

A qualidade da nossa vida pública seria muito diferente, e para melhor, com aquelas duas reformas, no sentido que defendemos há muito e publicamente.

Mas há outros elementos que são muito importantes. Não serão tão óbvios, nem necessariamente tão populares, mas completam a reforma do sistema político.

Primeiro, há que financiar novos partidos de tal forma que os actuais sintam que há uma possibilidade real e efectiva de serem ultrapassados eleitoralmente por outros partidos que possam surgir. Isto, naturalmente, obriga os partidos actuais a serem melhores para evitarem a concorrência dos novos. Hoje, essa concorrência é evitada por asfixia financeira de quem quiser fundar um novo partido.

Como fazer? Há várias soluções que os politólogos estudaram e podem ser implementadas. Há uma, que recentemente me foi avançada numa das muitas conferências que tenho feito sobre a reforma do sistema político, que me mereceu especial atenção. Aos votos nulos e brancos (mais uma vez estes!) seria atribuído um valor destinado a financiar novos partidos, sendo que esses votos (não a abstenção) de pessoas que gostariam de votar nalgum partido, mas que não querem ser representadas por nenhum dos partidos concorrentes nesse momento, estão a sinalizar que desejariam ter outro partido para as representar. Desta forma, balizar-se-ia com o voto popular o montante financeiro para novos partidos.

Segundo, a acção política e os cargos públicos têm de ser devidamente remunerados. Eu sei que o povo está tão cansado dos actuais políticos que sugerir aumentos das suas remunerações parece implicar algum descaramento. Mas tal é necessário.

Será que alguém escolhe o cirurgião por ser o mais barato ou por pensar que é o melhor? Ou, mais simplesmente, como se escolhe quem vai pintar as paredes lá em casa? O mais barato, que poderá eventualmente roubar algum objecto por desonestidade? Ou um pintor melhor, certamente mais caro, a quem podemos entregar as chaves do apartamento? É disto que estamos a falar: temos de estar dispostos a pagar se queremos pessoas honestas, bons cidadãos e profissionais competentes a gerir metade do nosso dinheiro. É que os governos de Portugal gerem, sensivelmente, metade do nosso dinheiro.

Como fazer? Simplesmente pagar às pessoas que ocupam cargos públicos aquilo que elas declararam para IRS no ano anterior. Teremos, então, políticos mais bem pagos e poderemos atrair pessoas que ganham bem na vida privada porque são bons profissionais antes de serem políticos.

Com esta regra, ninguém iria para a política para ganhar mais, porque teria as mesmas remunerações. Também não teríamos pessoas a recusarem um cargo público porque, tendo assumido encargos na sua vida privada compatíveis com as suas remunerações, não os poderiam honrar se aceitassem ser ministro, por exemplo. Conheço pessoalmente vários casos destes: pessoas que teriam a maior honra e disponibilidade para servir o país, mas que não o poderão fazer porque o que o Estado lhes pagaria não daria para o colégio dos miúdos e para a prestação da casa ao banco. É triste! E o pior é que todos, e cada um de nós, ficámos a perder.

Pagar o que a pessoa declarou de rendimentos para imposto significa que não lhe estamos a fazer nenhum favor; apenas não queremos ficar-lhe a dever um favor.

Esta regra significaria que, possivelmente, algum ministro ganharia mais que o primeiro-ministro. E qual seria o problema? O primeiro-ministro é-o por escolha popular, não por ganhar mais umas centenas de euros que os seus ministros.

Haveria parlamentares com diferentes retribuições, obviamente. E qual seria o problema? Não estavam, antes de o serem, a ganhar salários diferentes? Problema nenhum, do meu ponto de vista.

Terceiro, há outros elementos de transparência da vida pública que considero essenciais. Desde logo, o papel das chamadas “agências de comunicação”, que podem distorcer a verdade das notícias. Se nem todas o fazem, ainda bem. Mas, dada a pobreza do meio, algumas conseguem fazer com que, em vez de notícias, tenhamos verdadeiras campanhas feitas contra políticos e políticas. Exemplo: certamente se recordarão de que, no tempo de Correia de Campos em ministro da Saúde, nasciam criancinhas, todos os dias, nas ambulâncias. E assim abriam todos os telejornais, todos os dias. Certamente era culpa dele, porque tal fenómeno desapareceu no dia em que deixou de ser ministro. Até hoje! Acredita nisso? Eu, que sou um herege, desconfio que o Pai Natal não existe!

Mas há mais. Porém, fica para outra altura.

Em conclusão, quem não estiver disposto a pagar a actividade política, a financiar partidos (os novos e os actuais), a remunerar devidamente o desempenho de cargos públicos, não se pode lamentar de os actuais políticos (com honrosas e ainda significativas excepções) serem medíocres nem da qualidade actual dos partidos. Se não gostam dos actuais, esperem mais uns anos e verão o que vos espera. Eu vejo-os na faculdade: os bons até têm vergonha de se meterem num partido; os que entram nas “jotas” são os desavergonhados que sobem na vida dessa maneira. Há sempre excepções, mas são cada vez menos. A culpa é nossa e vossa.
Luís CAMPOS E CUNHA
Professor da Universidade Nova de Lisboa