quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O nosso sistema político tornou-se um passivo?

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, hoje saído no jornal i.

No parlamento o diálogo democrático é substituído pela violência verbal e até pelo insulto pessoal ou pela repetição de frases feitas até à náusea.


O nosso sistema político tornou-se um passivo? 

Na generalidade das sondagens os políticos aparecem como as entidades menos credíveis. Esta apreciação estende-se aos partidos, aos comportamentos, aos valores proclamados, aos processos de decisão, aos órgãos do poder soberano, entre os quais apenas o PR mantém a respeitabilidade. O sistema político que suportou a nossa democracia foi-se anquilosando e perverteu-se, e é sentido pelos portugueses como um passivo que os atormenta.

Os partidos foram criando nomenclaturas que depressa trocaram o bem comum pelo próprio bem: os do arco do governo, servindo-se do Estado como centro de emprego e distribuidor de benesses; os das oposições, servindo-se dos organismos que dominam, numa acção ideológica permanente de luta contra os governos, tantas vezes em greves políticas, forma de boicote à actividade económica, sem olhar a danos para as populações.

E se há mudanças de líderes, os critérios de selecção e as nomenclaturas mantêm-se e os fiéis reproduzem-se.

Criam-se universidades de Verão, em que a formação política se subjuga à análise das conjunturas de momento e à formação acelerada de obediências para novas oportunidades nos aparelhos, rituais de larga presença nos telejornais, numa enorme feira de vaidades e vacuidades.

Os agentes políticos foram-se tornando funcionários dos partidos, mas suportados pelo Estado em oportunas comissões de serviço. E nos órgãos partidários há cada vez menos gente da sociedade civil, das profissões liberais, da actividade empresarial, e cada vez mais funcionários dependentes do partido para nomeações nos órgãos do Estado e nas autarquias.

No parlamento o diálogo democrático é substituído pela violência verbal e até pelo insulto pessoal, com alguma sorte por monólogos ou pela repetição de frases feitas até à náusea.

A construção de soluções parece ser o que menos preocupa os representantes do povo.

As comissões de inquérito nunca chegam a relatório conclusivo comum e as posições finais são as que cada partido tinha fixado no dealbar do inquérito. Situação escandalosa de indignidade e falta de respeito pela lei é conhecer-se publicamente o conteúdo de audições feitas ao abrigo do segredo de justiça, logo noticiadas online, como agora mesmo aconteceu.

Desperdício de recursos, mero propósito de chicana política e de tempo de antena, mas que muitos vêem como o seu momento de glória.

O sistema político vem constituindo um verdadeiro passivo, com os seus agentes num círculo fechado, numa reprodução geradora de corrupções. Urge saneá-lo, sob pena de a sociedade democrática vir a soçobrar.

Reforma prioritária está na alteração do sistema eleitoral para a AR, assegurando que os eleitores tenham um poder decisivo na escolha dos deputados, em vez de estes serem exclusivamente escolhidos pelas direcções partidárias, prevendo a introdução do voto preferencial nas listas plurinominais, ou permitindo o acesso ao sufrágio de cidadãos independentes que demonstrem comprovado interesse no serviço público ou possibilitando a introdução de círculos uninominais.

Outra reforma deve passar pela alteração do sistema de financiamento dos partidos, com as contas auditadas por entidades independentes, secção especializada do TC ou auditores externos designados por entidades públicas de controlo, embora os custos da auditoria sejam suportados pelos próprios partidos.

Para que o sistema político passe de passivo a activo ao serviço do povo, urgente se torna a sua reforma. Têm a palavra os cidadãos livres deste país.
ANTÓNIO PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

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