quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Agora é tudo a dar-lhe, mas antes... ah! valentes

Nos idos de 2009, quando ainda era possível travar nos trilhos o então 1º Ministro José Sócrates e impedi-lo de espatifar o país, um ministro socialista, Augusto Santos Silva, publicou um artigo num jornal a atacar por canalhice quem ousasse pretender, contra a evidência, que Sócrates podia estar implicado no caso Freeport.

Decidi responder a esse artigo/panfleto e escrevi outro que enviei a vários jornais para publicação. De uns nem resposta recebi, de outros disseram-me que não era nada, mas mesmo nada oportuno.

Quando agora vejo tanta gente a dar por adquirido que Sócrates seja corrupto, lembro-me desse artigo que então escrevi e que ninguem quiz publicar.



Aqui vai, com seis anos de atraso:

Dois pontos permitem traçar uma recta...
Um ponto num mapa não define nenhuma direcção. Dois pontos permitem traçar uma recta que os una. Uma recta é uma linha que une dois pontos, mas pode ser uma elipse a ligar os dois pontos e não uma recta. Se houver um terceiro ponto de permeio confirma-se a existência da recta, e assim sucessivamente. Quando eramos pequenos uma distracção muito usada era a de fazer desenhos unindo os pontos pré-definidos numa folha de papel.
Podemos entreter-nos com essa brincadeira. Suponhamos um ponto: um licenciamento de um outlet em Alcochete feito em circunstâncias excepcionais de velocidade e facilidade súbita.
Suponhamos um segundo ponto: o promotor desse outlet é adquirido por outra empresa que descobre um buraco nas contas.
O primeiro ponto pode ser revelador de uma enorme capacidade de resposta da administração pública portuguesa. O segundo, de uma fraude praticada nas contas do promotor do outlet pelos seus então gestores.
São dois pontos, mas em dois planos diferentes. À partida, nada permite uni-los.
Ocorre que os então gestores do promotor do outlet declaram que o buraco que existe nas contas se deve a saídas ilegais de dinheiro, para corromper os decisores políticos que com tanta velocidade e súbita facilidade licenciaram o outlet em causa.
Tornados públicos, estes dois factos causam apreensão: será que os gestores do promotor do outlet praticaram uma fraude, meteram o dinheiro ao bolso e estão a inventar desculpas inverificáveis, ou a sua história tem alguma consistência e pode ser verificada?
Esta é a questão que a policia inglesa decidiu investigar, afim de determinar se os gestores do promotor do outlet praticaram um crime de fraude (embezlement) metendo milhões no próprio bolso, ou se praticaram um crime de corrupção activa ao serviço da empresa de que eram gestores.
Para a policia inglesa trata-se apenas de seguir o rastro do dinheiro para determinar qual destes dois crimes ocorreu.
Começa por indícios circunstanciais: uma conversa gravada entre administradores da empresa e mandatários em que uns declaram a outros que usaram o dinheiro desaparecido para corromper decisores políticos. O que é que esta gravação prova? Nada, a não ser que a conversa ocorreu e que as declarações em questão foram feitas, se puder ser verificada a autenticidade da gravação.
Seguidamente os ingleses querem saber por quanto foi adquirido o terreno em causa, se foi pelo valor declarado na escritura, se foi por outro, e se ficou algum montante nas mãos dos Advogados e mandatários, para outros fins.
Depois, quais são os movimentos bancários dos diversos intervenientes, à época do negócio. E por aí fora...
São coisas simples que permitiriam desde logo estabelecer com alguma razoabilidade a consistência da explicação dos gestores e apontar na direcção de uma fraude nas contas da empresa ou de saídas ilegais de dinheiros para decisores políticos.
Quem pode investigar com objectividade e sem excessivas suposições estes factos, é a polícia portuguesa. Ocorre que na gravação em causa foi citado o nome de um filósofo grego, e perante uma questão filosófica de tal magnitude, a polícia portuguesa gelou.
Entretanto, na outra folha de papel, aquela onde existe um ponto que é o licenciamento extraordinário do outlet de Alcochete, a opinião pública enlouqueceu com questões filosóficas e, por uma vez, os jornais de referência, em vez de a satisfazerem com relatos de assassínios de amantes à machadada, decidiram servir-lhe teorias socráticas. Dá-se ao público o que ele quer ler, é a primeira regra da imprensa.
Chegados aqui, podíamos estar perplexos com as teorias inglesas sobre fraude ou corrupção no grupo inglês Freeport, mas ocorre que os personagens envolvidos são também portugueses e que que se houve corrupção activa (e não fraude), em Portugal ocorreu corrupção passiva. É como na contabilidade com os balanços das empresas: a um activo há-de sempre corresponder um passivo, porque no fim, os dois valores têm de ser iguais.
É claro que continuamos apenas com um ponto: um licenciamento muito rápido e subitamente fácil do outlet. Quanto ao mais, o mais provável é os inglese estarem a mentir e terem metido o dinheiro ao bolso.
Aparece no entanto, outro ponto nesta linha: o tio de um sobrinho decisor político declara que não tem nada a ver com o caso, que se limitou a apresentar um dos ingleses mentirosos ao sobrinho decisor; Antes da súbita facilidade e da surpreendente rapidez...
E descobrimos mais: em 2004, dois anos decorridos sobre o licenciamento, houve nesta folha de papel outro ponto. Uma denúncia do caso que foi configurado como corrupção. Ficámos a saber que as autoridades portuguesas se recusaram a investigar. Ponto surpreendente.

Ao Dr. Augusto Santos Silva, cuja mente analítica quer factos, respondo: reflicta nestes e diga-me se uma recta é ou não é uma linha que une dois pontos. Claro que ao unir os acima descritos pode chegar a um quadrado, definir um triângulo maçónico, ou traçar uma recta, lisa e direita como uma seta, apontada ao coração da filosofia, objectiva como uma bala...»

Em francês: non, vous n'êtes pas Charlie, vous êtes des CONS.

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