sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Reflexões sobre um referendo de ocasião (2): o Acordo PSD/CDS


Já o disse e escrevi, noutros locais. Repito-o, nesta avaliação final do sarilho. A proposta de referendo sobre a co-adopção e a adopção em uniões homossexuais apresentada pela JSD violou, como já tem sido notado, o acordo político assinado pela coligação. Isso foi observado, logo de início. Essa é também a minha opinião.

Recordemos que se tratou - pelo menos, assim foi dito - de uma iniciativa "espontânea" de um grupo de deputados da JSD. Que logo comentei aqui: "Vaudeville" parlamentar: ora agora adopto eu, ora agora adoptas tu...

Ora, não era assim que as coisas deveriam ter-se passado. E não entro sequer em linha de conta com a seriedade e dignidade do processo parlamentar.

O acordo PSD/CDS, assinado em 16 de Junho de 2011, estabelece que «os partidos signatários comprometem-se a votar solidariamente, em sede parlamentar, designadamente, as (...) propostas de referendo nacional»

Como é evidente, esta obrigação solidária inclui - e pressupõe - a obrigação solidária prévia de concertação e de acções e iniciativas conjuntas, como é evidente. Isso é o que se aplica em todos os actos sujeitos a esse princípio geral de solidariedade na colaboração parlamentar: Programa do Governo; moções de confiança e de censura; orçamentos, grandes opções do plano e iniciativas de suporte ao Programa de Estabilidade e Crescimento; medidas de concretização dos compromissos constantes dos entendimentos celebrados com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional; propostas de lei oriundas do Governo; actos parlamentares que requeiram maioria absoluta ou qualificada, incluindo projectos de revisão constitucional; propostas de referendo nacional; eleições dos órgãos internos da Assembleia da República.

Ora, esta iniciativa de resolução sobre o referendo nem foi previamente concertada com o CDS, nem foi sequer oficialmente apresentada pelo PSD, mas por um grupo de deputados da JSD, ao modo de um gesto rebelde de alguns backbenchers, na tradicional linguagem parlamentar britânica.

Pode surpreender, por isso, até, a disciplina de voto decidida para a bancada do PSD. Mas isso é questão que já não é de todo da minha conta. O que não poderia comunicar-se de todo era qualquer solidariedade ao CDS e, muito menos, com disciplina de voto.

Aliás, tendo ocorrido esta importante evolução da posição política do PSD (e não só de deputados JSD), outras deveriam ser as consequências a retirar, a saber: 
  1. o PSD, nos canais e pelo modo apropriado, procurava convencer o CDS-PP da bondade da convocação de um referendo; 
  2. adquirido isto em sério diálogo interpartidário de alto nível (o que, creio, atentas as circunstâncias, o CDS poderia aceitar), o PSD retirava a iniciativa rebelde da JSD e ambos os partidos acordavam e anunciavam apresentar até ao final da sessão legislativa um projecto conjunto PSD/CDS para convocação de um referendo - projecto esse devidamente preparado, e não em cima do joelho, sem as dúvidas, problemas e riscos que aquele suscita; 
  3. mantendo o princípio da precedência do referendo, o PSD assegurava a reprovação do projecto de lei sobre co-adopção apresentado pelos deputados do PS. 
Como ontem foi oficialmente assegurado, todos os 24 deputados do CDS reprovariam em votação global final o projecto de lei de Isabel Moreira e Pedro Delgado Alves. O PSD deveria fazer o mesmo. E, a seu tempo, sem trambiqueirices, nem improvisos, se convocaria, também por impulso solidário da maioria, um referendo sobre esta matéria, se esse fosse o único caminho para superar as dificuldades internas do PSD.

Agir sem pensar e sobre o facto consumado, raramente dá bom resultado.

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