quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Reflexões sobre um referendo de ocasião (1): a referendabilidade


A JSD – ou será o PSD?, já não sabemos bem – confrontou subitamente a actualidade política com a ideia de um referendo sobre a co-adopção em uniões homossexuais e também sobre a adopção no mesmo quadro de uniões homossexuais.

Por mim, sou contra. E considero um enorme erro a trapalhada para que fomos lançados.

Não é porque pense que estas matérias não são referendáveis. Ao invés, considero que estas matérias são susceptíveis de referendo. Tem havido, aliás, por todo o mundo onde estas questões se discutem, um ror de referendos sobre as questões de fundo subjacentes a estas decisões legislativas. E há, aliás, muito boas razões de forma e de substância para fundamentar, em situações-limite, a realização de referendos nestas matérias.

Há muito que defini, para mim próprio, a posição que designei de “referendo defensivo”. Explico-me:

Em questões fundamentais de valores, em matérias axiais estruturantes da sociedade, penso que o dever fundamental dos políticos e dos legisladores é a afirmação e a defesa, no plano legislativo, das leis que ilustram e traduzem esses valores de referência – por exemplo, o valor da vida ou o da família decorrente da dualidade homem/mulher. Porém, se uma sociedade é confrontada com pressão política irresistível para mudar essas leis fundamentais, para proceder ao revisionismo institucional e à alteração ou demolição de valores fundamentais de referência, numa palavra, para mudar o quadro fundamental e o paradigma social – então, creio que não só é lícito, como é necessário, ouvir previamente o povo antes de poder modificar essas leis fundamentais e estruturantes.

Quando muitos dizem que «a vida não se referenda» ou «a família não se referenda», estas afirmações são verdadeiras e são falsas ao mesmo tempo. São verdadeiras no sentido de que as convicções profundas de cada um não se referendam. São verdadeiras no sentido de que as minhas convicções quanto, por exemplo, ao direito à vida ou relativamente à família assente no casamento homem/mulher não se referendam. Mas são falsas no mais. É que a questão não é de todo aquela – ninguém faz um referendo, creio eu, para saber o que é que pensa ou “deve” pensar. A questão é a da consciência social relevante.

As leis, na verdade, nomeadamente nestas matérias tão sensíveis, significantes e estruturantes, são sempre – devem ser – o reflexo da consciência social profunda. E uma coisa é o que nós pensamos o que a consciência social é e deve ser - devemos bater-nos por isso, sempre que necessário.Outra coisa é o que a consciência social efectivamente é - em caso de dúvida limite e cruciante, deve ser ouvida directamente. 

O primeiro dever dos políticos e dos legisladores é prosseguirem na protecção e desenvolvimento de valores profundos longamente aceites e estabelecidos. A consciência social não se decreta, nem voga. Existe, está, é. Mas, perante movimentos fracturantes poderosos no sentido da redefinição desses quadros legais fundamentais e estruturantes, pode sustentar-se (e eu defendo-o) que não é legítimo alterar esses quadros legais sem que a consciência social seja directamente consultada e se pronuncie expressamente nesse sentido.

Ou seja, para mim, este referendo lançado pela aventura da JSD (ou será do PSD?) é um erro não porque, em abstracto, não pudesse ser convocado. Este referendo é errado pela forma leviana, precipitada e trambiqueira como foi introduzido. Não surgiu como um referendo sério em ultima ratio, no final de um processo institucional digno desse nome, tanto no quadro da maioria e da coligação, como no quadro mais amplo do próprio Parlamento. Este referendo surgiu apenas como um expediente para autodemissão daqueles que, em primeiro lugar, têm de decidir e responsabilizar-se: os deputados. É isso que está errado. 

2 comentários:

Maria disse...

Em parte pode ter razão Dr. Ribeiro e Castro. Mas eu não aceito que uma minoria que constantemente atenta contra esses valores fundamentais, que nem sequer incluiu no seu programa de governo sufragado em eleições, use e abuse de criar leis e tentar aprová-las no meio de discussões de orçamentos de estado, políticas de austeridade, etc. Sabemos bem a que dá importância a nossa media, e certamente que a Drª Isabel Moreira esperaria que mais uma vez este tipo de assuntos não fosse a referendo, para exactamente aprovar mais uma lei sem que haja uma ampla discussão pública. A forma como passou despercebida a votação desta lei em Setembro último foi uma vergonha. QUalquer um ficou boqueaberto como é que uma lei destas tinha passado, quando não se havia discutido nada publicamente.
Por isso acho sinceramente, deplorável o discurso do CDS, de que há assuntos neste momento mais importantes para discutir como o resgate e a economia e emprego, do que levar a referendo uma questão destas. O deputado Hugo Soares disse-o ontém e muito bem, a sociedade portuguesa tem de saber discutir algo mais que o economês, e o programa de resgate, que é assunto da ordem do dia desde há 3 anos para cá. Há questões fundamentais em que o povo português tem de ser ouvido. E concordo plenamente com isto.
Já quando foi a discussão da lei, ouvi alguém da bancada do CDS argumentar da mesma forma, que há prioridades neste momento que são a economia e o emprego e fim do resgate e do protectorado. É lamentável ouvir da parte do CDS uma argumentação destas, bem como uma argumentação demagógica de que o CDS nada fará que contribua para aumentar a despesa, isto é, referindo-se aos custos de um referendo.
É por estas posições, mornas, da parte dos partidos supostamente conservadores, que por este mundo fora se vão aprovando leis absolutamente inaceitáveis e se vão destruindo os valores básicos da sociedade.
É por estas e outras atitudes que não votei no CDS nas últimas eleições e temo mesmo que uma coligação (AD) que deveria ser uma boa "jogada" eleitoral, seja hoje mais prejudicial. Sinceramente, não sei se o PSD tem hoje alguma coisa a ganhar ir junto a eleições com a actual direcção do CDS. O eleitorado tradicional do CDS está bastante descontente, principalmente desde Julho passado e dificilmente com estas posições o CDS pode ir buscar de novo este eleitorado.

José Ribeiro e Castro disse...

Sobre este tema parlamentar, escrevi anteriormente estes dois posts:

Volatilidade parlamentar ou agenda desfocada
http://avenida-liberdade.blogspot.pt/2013/05/volatilidade-parlamentar-ou-agenda.html

"Vaudeville" parlamentar: ora agora adopto eu, ora agora adoptas tu...
http://avenida-liberdade.blogspot.pt/2013/10/vaudeville-parlamentar-ora-agora-adopto.html

E tenho também vários artigos escritos sobre a questão de fundo de que destaco este:

Pai e mãe e a “co-adopção” homossexual
http://avenida-liberdade.blogspot.pt/2013/07/pai-e-mae-e-co-adopcao-homossexual.html

O assunto gerou intenso debate interno também no CDS.
A situação hoje é de que, chegando a votação final global do projecto de lei do PS, todos os 24 deputados do CDS votarão contra. Basta que a bancada do PSD faça o mesmo. E o problema fica resolvido e ultrapassado. É isso que deveria acontecer.
O que o PSD está a fazer é a tentar escapar por um expediente, a fim de evadir responsabilidades próprias. E com isso gerou, como veremos, um problema maior.
Não tenho nada contra referendos. Mas discordo de deputados que não querem assumir as próprias responsabilidades em linha com o eleitorado que os elegeu.