quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Mas que Estado bem gerido!


Em 2010 era o farró! Apertado por todos os lados, com crescentes dificuldades de financiamento, o Governo Sócrates fazia o que podia para manter a nau do Estado a navegar, provavelmente consciente de que qualquer acidente de percurso seria fatal.

Vem isto a propósito do «caso Swaps» e do muito recente escandalete com um swap contratado pela Estradas de Portugal, EP com o Deutsche Bank, a que a agora Ministra das Finanças, Maria Luis Albuquerque deu parecer favorável, enquanto técnica ao serviço do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP.

O que aqui me interessa não é discutir se MLA sabia ou não sabia dos swaps - como é evidente sabia, e pelo sitio onde trabalhava podia ter uma vista panorâmica aproximada do que se passava. 

O que eu aqui gostaria de discutir é a razão porque se chegou a «isto». Tomemos como exemplo a Estradas de Portugal (EP):

Graças a documentos publicados pelo Expresso, fiquei a saber que:

«1. No ano de 2009, o Estado Português concedeu dois empréstimos de curto prazo a EP, no total de 130 MEUR, como adiantamento de verbas a que a empresa se julgava no direito de receber da Administração Fiscal relativas ao IVA. Estes financiamentos vieram a ser reestruturados, por falta de recebimento do IVA naquele ano, estipulando-se no contrato a obrigação da EP amortizar a respectiva divida até 31/12/2010, cuja autorização foi concedida por Despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças nº 277/10-SETF, de 13 de Abril de 2010. 

2. [Depois], aquela Administração moveu um processo de execução fiscal à empresa, o que significa que a mesma não teria possibilidade de ressarcir o Estado com o produto do reembolso do IVA e, por isso, teria que se financiar no mercado para o efeito. 

3. Entretanto, tendo a EP conseguido junto do Deutsche Bank um financiamento, sob a forma de emissão de obrigações a taxa fixa, entre 100 a 200MEUR, a 20 anos, com um all-in-cost de 6,75%, sem exigência de rating nem de qualquer garantia, veio solicitar a autorização do Estado para a respectiva contratação.»

Ora vamos lá a ver se entendemos: o «Estado» adiantou 130 M€ à EP a título de antecipação de verbas a que a empresa se julgava com direito de receber de reembolso de IVA - IVA a reembolsar pelo «Estado» portanto.

O dito IVA não foi reembolsado (vários pontos de interrogação) e, pelo contrário, a Administração Fiscal executou a EP (mais pontos de interrogação). Tudo isto impediu a EP de reembolsar o «Estado» dos adiantamentos que lhe tinha feito (por conta do IVA a receber, que afinal não recebeu).

Para receber o seu dinheiro, o «Estado», credor implacável, obrigou a EP a contratar um financiamento de 150 M€ junto do Deutsche Bank.

Desse dinheiro, 130 M€ destinavam-se a permitir à EP reembolsar ao «Estado» o adiantamento feito e 20 M€ eram para somar a 180 M€ pedidos ao BCP para totalizar 200 M€ destinados a pagar as “rendas” das Scuts…

Ou seja, o «Estado» não reembolsou à EP (que é 100% do Estado) os 130 M€ de IVA a que a EP julgava ter direito; em vez disso o «Estado» adiantou a título de empréstimo 130 M€ à EP, com a obrigação de esta os restituir ao «Estado» até 31 de Dezembro de 2010; como esta não tinha onde ir buscar o dinheiro - sem aval do Estado que contaria para o deficit - o «Estado» obrigou a sua empresa a contrair um empréstimo com o Deutsche Bank, nas condições em que este banco entendeu emprestar o dinheiro. E caladinhos…

No meio de tudo isto, ficámos sem saber se o dito IVA veio ou não a ser reembolsado (o mais provável é que não) e se portanto, o empréstimo ao Deutsche Bank podia ter sido reembolsado (suponho que não).

E alguém perguntou porque razão a EP não foi reembolsada do IVA, não reclamou do facto e não recorreu para o mesmo Ministério das Finanças que tão generosamente lhe «adiantou» o dinheiro do IVA que não lhe reembolsou, a ver se uma luz de Bom Senso (oh, Bom Senso, ver outro post meu…) iluminava aquele santo Ministério?

Resultado de tudo isto: o «Estado» ficou com o dinheiro do IVA e com o reembolso do adiantamento graciosamente financiado pelo Deutsche Bank, nas condições que este banco impôs, “safou” portanto, 260 M€ do deficit do ano de 2010 (tudo postiço, claro…) e deixou a EP, da qual é dono a 100% a apanhar os cacos.

Os técnicos que subscreveram os documentos necessários a esta encenação tinham alguma liberdade de não subscrever? Ai, ai…

Assim é gerido o Estado Português, como se fosse um «Estado».

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