terça-feira, 23 de julho de 2013

Personagens da crise (4): D. Flávio Republicano, o trovão do Aquém e do Além


Outrora simpático e bonacheirão, D. Flávio azedou. Acontece, com o tempo, aos melhores.

Os cartapácios mais antigos, livros grandes que podemos vasculhar nos alfarrábios de maior renome, culto e sabedoria, descrevem bem esse tipo de personagem, figura típica da Crisologia. As crises produzem recaídas assim, no incêndio radical da inexperiência juvenil: o ponderado torna-se extremista, o prudente ensandece, o equilibrado faz-se de tolo, o calmo enfurece-se, o assisado exibe o maior descoco. 

D. Flávio consta ainda na cultura mediática contemporânea como “o ex-Presidente de todos os portugueses”, recordando os mais antigos os tempos em que – dizem – terá capitaneado as hostes de todos os democratas contra a deriva totalitária que quase submergiu a democracia nascente. E, asseguram os mesmos, terá sido esse mesmo capital político que, aliado a uma lenda de proverbial bom feitio e à imagem de bonus pater familias, dele fizeram referência respeitada e veneradamente ouvida por todos quase sem excepção. 

O tempo ou as circunstâncias alteraram tudo. Há quem refira que terá sido por uma falhada tentativa de reeleição presidencial, em que terá perdido estrondosamente não só para “a direita” que vergasta, mas também para a “esquerda” de ex-partidários que o vergastaram a ele. Fosse por isso ou por outra coisa, D. Flávio mudou. Muito. Parece outro, bem diferente da memória afável e grata que alguns ainda guardam e cultivam. 

É verdade que há quem lembre também outros anos duros e difíceis em que – dizem –, num governo chefiado por D. Flávio, a austeridade e o rigor terão levado “bandeiras negras a desfilar contra a fome” e múltiplos impropérios serem gritados contra a nossa outrora simpática figura. D. Flávio, porém, não se lembra nada disso.

Mais republicano do que sempre, dir-se-ia a visitar os tempos dos tiroteios na Rotunda, nos alvores de 1900. Vocifera, pragueja, ameaça. É cada vez mais compagnon de route e, por vezes, mesmo a guarda-avançada daqueles que, segundo os antigos, teria combatido décadas atrás, por condenar o seu extremismo, totalitarismo e anti-democracia. 

Tornou-se pregador de cisões e chega a evocar o Regicídio como possibilidade. Às vezes dá ideia de que embaraça até os seus. Compará-lo ao “velho do Restelo” seria pouco: D. Flávio Republicano não se limita a duvidar do futuro e do desconhecido, antes exautora e nega o próprio presente e o bem conhecido. 

É o trovão do Aquém e do Além. E troveja tanto, tanto, que se diria ter abandonado os ideais democráticos: as eleições só estão bem quando ganham os seus. Mesmo assim, desde que os eleitos cumpram sempre o preceito fundamental: “a Ordem Minha de Cada Dia”.

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