sábado, 20 de julho de 2013

Personagens da crise (2): Virgolino "curva e contracurva", mestre da revianga


É um tipo de personagem bem conhecido do cinema. Diz-se, aliás, que, ele próprio, na vida real, gosta muito de bons filmes.

Muitos realizadores o representaram nas docas de Nova Iorque ou de Londres, outros nos labirintos da Xangai antiga, no emaranhado de Montmartre ou na escuridão de Istambul. Por cá, ganhou o sugestivo nome de Virgolino e é habitual vê-lo no cenário da Ribeira do Porto ou da Alfama lisboeta.

Esgueira-se para as avenidas, seja a da Boavista ou a da Liberdade, e exibe-se como um verdadeiro artista a escapar entre os carros. Por mais intenso que seja o tráfego, Virgolino "curva e contracurva" nunca se atrapalha: prodigiosas gincanas as que consegue realizar e concluir. Trata o ziguezague por tu, ciência em que tirou mestrado e doutoramento e assentou cátedra. Sedutor, é ginasticado no verbo e no corpo, flexível e ágil nos flic-flacs, perito em mortais à frente e à rectaguarda. Chegou a astro de TV.

Nas vielas, que são o seu meio natural, é então rei e senhor. Endeusado pelos seus, ninguém lhe faz frente. E, quando faz, ele escapa-se sempre: curva aqui, contracurva acolá, Virgolino segue sempre.

Nos anais das crises prolongadas, está bem descrita pelos autores mais consagrados a chamada "tentação de Virgolino". É um tipo característico e problema célebre.

Problemas: são dois.

O primeiro problema é o de que, quanto mais ganha e mais se confirma como o campeão da gincana, mais a confiança que Virgolino perde. O público admira e segue, por vezes extasiado, mas não confia. Fica ansioso. E espera ou receia que acabe atropelado na curva ou contracurva seguinte.

O segundo problema é o de que Virgolino anda, anda, anda, mas nunca sai realmente do mesmo sítio. As vielas são o seu meio predilecto e o rodeio a sua arte. Entretido na gincana, não avança. E regressa sempre à casa da partida.

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